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Uma das coisas mais fantásticas
que o lóbi do automóvel e o lóbi das petrolíferas periodicamente propagandeiam
é a de que o automóvel dá lucro ao Estado, por via dos impostos e taxas relacionados
com o setor. O nervosismo dos senhores (perante o inevitável
declínio do automóvel, que na Europa já teve o seu pico, como já se demonstrou) costuma crescer um pouco pela altura da Semana Europeia da Mobilidade, que visa apelar à
utilização de modos mais sustentáveis de deslocação nos meios urbanos, em vez
do automóvel particular.
Hoje, em plena Semana Europeia
da Mobilidade (16 a 22 de Setembro), coube ao Correio da Manhã divulgar a notícia (depois reproduzida noutros órgãos de comunicação social) de que,
contabilizados os vários impostos diretos e indiretos sobre o automóvel (Imposto
Único de Circulação, IVA, Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos, etc.), o automóvel é contribuinte líquido do Estado em cerca de 7
milhões de euros por dia. A notícia – intitulada “Automóveis engordam o Fisco” –
sugere, pela enésima vez, que o Estado lucra com o automóvel.
A verdade é, no entanto, bem
diferente, como já demonstraram inúmeros estudos feitos noutros países: o
automóvel custa muito ao Estado, e todos os impostos e taxas juntos não cobrem
senão uma pequena parte da totalidade dos custos e perdas, diretos e indiretos, relacionados
com a sua utilização.
Relativamente aos custos
diretos (os únicos de que muitas pessoas se lembram), é infindável a lista:
- A construção de autoestradas,
estradas, avenidas, ruas e afins.
- Rotundas.
- Pontes, viadutos, túneis,
passagens inferiores, passagens superiores.
- Sinais de trânsito.
- Sinalização horizontal.
- Semáforos e respetivos custos
de funcionamento.
- Dispositivos e sistemas de
limitação de velocidade e de acalmia de tráfego.
- Os rios de dinheiro que se
gastam na limpeza e manutenção (e renovação ou substituição periódica) de todas
essas infraestruturas.
- Os rios de dinheiro
que se gastam em infraestruturas de estacionamento automóvel (por exemplo, parques
de estacionamento subterrâneos).
- Etc. etc., etc.
Depois, vêm as chamadas
externalidades, que geralmente são ignoradas. A lista é também grande, e os
custos, ainda maiores:
- Os congestionamentos têm um
elevadíssimo custo económico.
- Os custos relacionados com a
sinistralidade rodoviária são enormes (já se calculou que em Portugal
serão de um milhão de euros por dia).
- Acrescem os custos relacionados com a prevenção da sinistralidade (ex. policiamento,
fiscalizações, equipamento, campanhas, etc.).
- Há ainda os elevados custos
de saúde, que não estão apenas relacionados com todas as doenças provocadas
pela poluição atmosférica (a lista é grande, ficam aqui apenas
dois exemplos: cancro e doenças respiratórias), mas também aquelas relacionadas
com o ruído (as consequências estão estudadas e são muito mais nocivas do que muita gente
pensará), com a própria condução (por exemplo, decorrentes do desgaste nervoso sofrido em
engarrafamentos diários e na condução agressiva em meio urbano) e até com a sedentariedade (obesidade, doenças
cardiovasculares, etc.).
- O setor automóvel é o
principal responsável pelo nosso défice externo e pelo endividamento externo
do país (por exemplo, os veículos são importados e o país não tem petróleo:
todo o petróleo é importado).
- Acrescem os enormes custos
ambientais do automóvel.
- Os prejuízos causados às
empresas de transporte público (não apenas os decorrentes dos engarrafamentos: a
própria utilização em massa do automóvel particular em meio urbano contribui
para a ruína financeira de algumas empresas de metro, de autocarros e de
comboios, cujos prejuízos acabam por ser suportados pelo Estado).
- O gigantesco espaço público que
nos meios urbanos é dedicado ao automóvel acarreta custos verdadeiramente astronómicos
de que muita gente nem se dará conta: é fundamentalmente esse espaço que faz
crescer artificialmente as cidades e as metrópoles (que de outra forma seriam muito mais
compactas), com todos os custos inerentes (mais estradas, mais custos para
transportar a eletricidade, o gás, a rede de telefone, a rede de água, a rede
de saneamento, a rede de transportes públicos, etc.); e se se pensar, por
exemplo, no astronómico custo por m2 de terreno na avenida da Liberdade, em
Lisboa, podemos ter uma ideia do custo de se ter 10 faixas de trânsito nessa
avenida (em vez de 2, por exemplo, que seria o suficiente se nela só
circulassem transportes públicos) ou dos parques de estacionamento e lugares de
estacionamento que nela existem. É precisamente nas cidades que o custo do m2 é
mais elevado…
E estes são apenas exemplos. As
externalidades positivas do automóvel (que também existem) são muito menores do
que aquilo que se poderá pensar à primeira vista, se tivermos em conta que a
alternativa não é não haver meios de deslocação, mas sim as deslocações em meio
urbano se fazerem fundamentalmente por outros meios mais sustentáveis, muito
menos onerosos e… mais eficazes.
O Pombal do Marquês voltará a
este tema, com indicação de estudos. Quando se é enganado durante anos a fio,
não é fácil meter estas coisas na cabeça…
SPACE
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