9.5.16

Licença parental complementar e licença para assistência a filho: o benefício… e o obstáculo legal


Há duas licenças que os pais podem gozar depois de terminada a licença parental “normal” (antes conhecida como “licença de maternidade”):

1) Uma “licença parental complementar” de 3 meses (ou, em alternativa, de trabalho a meio horário durante 12 meses), gozados de forma contínua ou repartida (o direito é de cada um dos pais, ou seja, os dois em conjunto podem gozar 6 meses).

2) Esgotada essa primeira licença, a mãe / pai pode gozar uma licença bastante maior, também de forma contínua ou repartida, que pode ir, no total, até 2 anos de duração (ou 3 anos, a partir do terceiro filho), e que se designa “licença para assistência a filho”.

Em ambos os casos, trata-se de um direito cujo exercício não carece de autorização da entidade patronal: basta ao trabalhador informar por escrito, com 30 dias de antecedência, que irá gozar a licença e em que período. A entidade empregadora não pode recusar.

A informação divulgada sobre este assunto presta-se muitas vezes a alguma confusão
(por ex., aqui; e até em documentos publicados pelo Estado, como este)
e muitos pais pensam que só têm direito àquela primeira licença (a licença de 3 meses) desde que a gozem imediatamente a seguir à licença parental “normal”
(ver, por ex. aqui)
E como a segunda licença (a de 2 anos) só se pode gozar depois da primeira, muitos pais concluem que, se não tiverem gozado a licença de 3 meses logo a seguir à licença “normal”, perdem também o direito à segunda licença.

Mas não é assim: a licença de 3 meses não tem de ser gozada logo a seguir à licença parental “normal” e pode ser gozada em qualquer altura até a criança fazer 6 anos (artigo 51.º do Código do Trabalho). O que acontece é que essa licença só é paga a 25% se for gozada imediatamente a seguir à licença “normal” (artigo 16.º do DL 89/2009). Por outras palavras, se não for gozada logo a seguir à licença “normal”, não é paga.

E surge aqui a primeira perplexidade perante o regime legal. Não há qualquer justificação para que a licença só seja paga a 25% se for gozada logo a seguir à licença parental “normal”. É incompreensível e é um obstáculo acrescido a que os pais tenham acesso ao gozo desta licença (e, por consequência, ao gozo da segunda licença).   

Mas há um obstáculo muito mais grave. É que, embora os 3 meses possam ser gozados até aos 6 anos do filho de forma repartida (não têm de ser 3 meses seguidos), a lei estabelece um limite absurdo: só pode ser gozada num máximo de três períodos interpolados (artigo 51.º, n.º 2 do Código do Trabalho). Por isso, pelo menos um dos períodos da licença nunca poderá ser inferior a um mês.
(exemplos de gozo interpolado em três períodos: um mês + um mês + um mês; mês e meio + um mês + 15 dias; dois meses + 15 dias + 15 dias)
Ora, isto significa, na prática, que o comum dos cidadãos fica sem possibilidade de a gozar, pois a esmagadora maioria das pessoas não tem condições para prescindir de um mês de salário.

Esta limitação é tanto mais absurda que ela não existe no caso da segunda licença, a licença de 2 anos! No caso da licença de 2 anos, não há qualquer limite para o número dos períodos interpolados de licença que podem ser gozados, até se atingir o total de 2 anos de licença. E isso permite, por exemplo, que se goze só dois ou três dias de licença, ou que se possa conceber um esquema regular que permita à mãe / pai conciliar melhor a vida profissional com a vida familiar. Por exemplo, a mãe / pai pode, num mês, gozar apenas dois dias de licença (um fim-de-semana de 4 dias por mês); ou quatro dias (dois fins-de-semana de 4 dias por mês); ou um dia por semana (reduzindo a semana de trabalho a 4 dias); ou uma semana seguida. E isto faz toda a diferença: é que, se o comum dos portugueses não se pode dar ao luxo de perder um mês de salário, já lhe será mais fácil, mesmo que com sacrifício, prescindir de apenas uns dias de salário por mês, para poder estar mais tempo com os seus filhos pequenos (ou aproveitá-lo, pelo menos, nos meses de maior folga financeira, em que se recebe o subsídio de férias, ou o subsídio de Natal, ou o reembolso do IRS).

Se isto é possível na segunda licença (a de 2 anos), tornando-a, de facto, uma licença mais acessível, por que motivo não é possível na primeira? É incompreensível.

Ora, como a segunda licença (a de 2 anos) é subsequente à primeira (a de 3 meses), os pais, para terem acesso à segunda, têm primeiro de gozar os 3 meses da primeira (artigo 52.º, n.º 1 do Código do Trabalho). E como, pelos motivos explicados, serão muito poucos os pais com condições económicas para gozar a primeira licença, na prática a primeira licença funciona, não como um benefício, mas como um obstáculo legal. O legislador criou um benefício de parentalidade e ao mesmo tempo criou um obstáculo injustificado que impede o seu exercício à esmagadora maioria dos potenciais beneficiários.

O que sobra é um benefício apenas acessível a famílias endinheiradas.

Estas duas licenças continuarão a ser de uso muito limitado, por não serem pagas. Mas era possível, pelo menos, torná-las um pouco mais acessíveis. O Pombal do Marquês vai propor a alteração da lei.   
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