24.9.15

CP: qual a base legal da multa por falta de validação do passe?

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A CP anda a divulgar a informação de que a partir de 1 de outubro vai passar a multar os passageiros da zona de Lisboa que, embora munidos de passe (ou assinatura) válido, não o “validem” antes de cada viagem. O montante mínimo da multa é de cem vezes o preço do bilhete para a viagem em causa. Igual à multa aplicada aos passageiros que viajam sem bilhete válido.

Qual a base legal para esta multa?

Na informação divulgada pela CP, invoca-se genericamente a Lei n.º 28/2006, de 4 de julho.

É obrigatória a validação de todos os títulos de transporte, inclusive dos títulos mensais (assinaturas e passes) antes do início de cada viagem, em conformidade com a Lei n.º 28/2006 de 4 de julho», pode ler-se no portal da CP)

Mas mal. A Lei n.º 28/2006 não prescreve em lado algum a obrigação de o passageiro validar o passe ou a assinatura antes de cada viagem. Tudo quanto se pode ler nesse diploma, a este respeito, é que «é considerado título de transporte inválido (…) o título de transporte sem validação, nos casos em que esta é exigida» [artigo 7.º, n.º 4, alínea m)]. Só "nos casos em que esta é exigida": no caso do passe ou da assinatura, a exigência de validação antes de cada viagem teria de estar expressamente prevista noutro lado.

(diga-se, em todo o caso, que esta norma não foi pensada para os passes, até porque o n.º 5 do mesmo artigo determina a imediata apreensão do título de transporte pelo fiscal, coisa que não faria sentido no caso do passe mensal; e que ficaria por explicar porque é que a lei entrou em vigor há 9 anos, mas só agora é que teria passado a ser obrigatória a validação!) 

Na comunicação social, fez-se passar a informação falsa de que a obrigação de validação do passe decorre de uma “portaria” publicada em agosto, relativa ao cálculo das compensações financeiras e de repartição de receitas entre os vários operadores de transporte. Trata-se do Despacho n.º 8946-A/2015, de 11 de agosto. Este diploma veio prever que o cálculo da repartição de compensações e de receitas entre as transportadoras é feito a partir dos dados registados no sistema de bilhética sem contacto. Compreende-se, assim, o interesse da CP em que o passageiro valide sempre o passe no sistema de bilhética sem contacto. Mas esse interesse não chega. Não fundamenta multas. O despacho não prevê em lado nenhum a obrigatoriedade de o passageiro validar o passe ou a assinatura.

O serviço de informações da CP, contactado para o efeito (por telefone), também não sabe informar qual a fonte da “obrigatoriedade” de validação do passe antes de cada viagem. Sugeriram-me, ainda assim, que colocasse a questão através de uma "reclamação" feita no portal da CP, que seria encaminhada para os serviços jurídicos. Assim fiz, pedindo que me esclarecessem onde é que está previsto que o passageiro é obrigado a validar o passe/assinatura antes de cada viagem. A resposta foi esta:
«Face à questão colocada, esclarecemos que, de acordo com a alínea m) do n.º 4 do artigo 7º da Lei n.º 28/2006 de 4 de julho é considerado título de transporte inválido, o título de transporte sem validação, nos casos em que esta é exigida. Assim, efetivamente, em conformidade com a Lei, passa a ser obrigatória a validação de todos os títulos de transporte, inclusive dos títulos mensais, antes do início de cada viagem, à semelhança dos restantes operadores de transporte de Lisboa».

Uma vez que a Lei n.º 28/2006 manifestamente não obriga o passageiro a validar o passe / assinatura, conclui-se que, das duas uma: ou a CP não sabe interpretar normas jurídicas, ou prepara-se para extorquir multas aos passageiros sabendo que essas multas são ilegais.

Esclareça-se que a obrigatoriedade de validação do passe / assinatura não está prescrita nas Condições Gerais de Transporte aprovadas pelo IMT em 2013, documento no qual, no caso dos comboios da zona de Lisboa, se volta a falar na validação dos "títulos de transporte" só «quando tal for exigível».

O passe mensal é, por natureza, válido durante o mês a que respeita. Não precisa de “validação” em cada viagem. Mesmo no caso do passe /assinatura válido por um mês a partir da primeira utilização, é, pela lógica das coisas, exigível a sua validação na primeira utilização, mas, a partir daí, o período de validade está automaticamente definido.

Com o sistema que quer aplicar, a CP não pretende garantir a validade do título de transporte utilizado pelo passageiro, porque o passe é, por natureza, válido durante o respetivo período de utilização. O que a CP quer é simplesmente pôr os passageiros a fazer estatística. 

Cobrar uma multa de centenas de euros a um passageiro munido de passe inequivocamente válido e exibido ao revisor é uma pulhice.

Aqui fica um conselho: a partir de 1 de outubro, passe a viajar com uma cópia da Lei n.º 28/2006 (pode ser descarregada aqui a versão atualmente em vigor) e, à cautela, uma cópia do Despacho n.º 8946-A/2015, de 11 de agosto (que pode ser descarregado aqui). Se alguém quiser, reencaminho a mensagem que recebi da CP, acima transcrita, segundo a qual a obrigação de validação resultaria da Lei n.º 28/2006 (pedido para: pombaldomarques @ gmail.com). Se algum dia lhe quiserem aplicar uma multa por falta de validação do passe, o fiscal tem de invocar, no auto, a disposição legal concreta em que se funda a obrigação violada pelo passageiro (diploma, artigo e alínea). O passageiro que não quiser pagar a multa voluntariamente será identificado e a CP terá depois de acionar a cobrança, não o podendo fazer sem base legal.
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8 comentários:

  1. A validação dos passes mensais está regulamentada em decreto lei. Para ter acesso ao autocarro da carris também de passar o referido passe no validador, correcto? Na CP vai passar-se o mesmo.....e não são todos os passes como aqui é referido. Navegante e sociais vão ser obrigatórios pois a CP só recebe no fim do ano o valor relativo ao número de viagens realizadas se estes forem validados. Qualquer esclareciento adicional pergunte que eu estarei á sua disposição.

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    1. "Está regulamentada em decreto lei"? Qual? Qual a norma que obriga o passageiro a validar o passe ou a assinatura? E "não são todos os passes"? Curioso, porque a CP não fez nenhuma restrição. O senhor está disponível para esclarecimentos adicionais? Eu já os obtive da própria CP. E a resposta, que está no texto, refere a Lei 28/2006. Que não obriga a validar o passe. Disponível para esclarecimentos adicionais, cumprimentos,

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    2. Decreto Lei 35/2015 de 6 de Março, artigo 7, Alinea 1.
      Já agora quem cobra as multas é a AT e não a CP.

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  2. Decreto lei 35/2015 de 6 de março, art.7 alínea 1.......já agora que sabe tanto disto, quem cobra as multas não é a CP é a AT.

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    1. Caro “Moderador”, não se trata de saber ou não “tanto disto”, baseio-me nas informações prestadas pela própria CP. «É obrigatória a validação de todos os títulos de transporte, inclusive dos títulos mensais (assinaturas e passes) antes do início de cada viagem, em conformidade com a Lei n.º 28/2006 de 4 de julho», é a informação que a própria CP disponibiliza na internet (ver aqui, clicando em “validação dos títulos de transporte”).

      «De acordo com a alínea m) do n.º 4 do artigo 7º da Lei n.º 28/2006 de 4 de julho é considerado título de transporte inválido, o título de transporte sem validação, nos casos em que esta é exigida. Assim, efetivamente, em conformidade com a Lei, passa a ser obrigatória a validação de todos os títulos de transporte, inclusive dos títulos mensais, antes do início de cada viagem»: foi esta a resposta quer a CP me deu por escrito depois de eu ter perguntado onde é que estava prevista a obrigação de “validar” o passe ou a assinatura.

      Ora, não tenho dúvidas nenhumas de que a Lei 28/2006, citada pela CP, não obriga o passageiro a “validar” o passe ou a assinatura.

      Se a CP é incompetente a prestar informações, isso é outra coisa.

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    2. Quanto ao artigo 7.º, n.º 1 do DL 58/2008, na redação que lhe foi dada pelo DL 35/2015 (que entrou em vigor no dia 1 de abril), quando fala em “validação”, claramente só se está a referir a alguns títulos de transporte, não a todos, não aos passes e assinaturas. “Validar” significa “tornar válido”. “Validar” um título de transporte é tornar válido para uma determinada viagem um título previamente adquirido, como, por ex., um título carregado no cartão viva viagem. O passe ou assinatura mensal já é, por natureza, válido para o período e percurso para o qual foi comprado. Outro exemplo: se eu comprar agora (por ex., na internet) um bilhete de comboio Lisboa-Porto, também não é exigível a sua validação, porque o bilhete já é válido para o comboio, dia e hora nele indicados. O citado artigo 7.º, n.º 1, como vê, não serve.

      Multar um passageiro portador de passe válido como se não tivesse bilhete válido seria, aliás, contrário ao espírito da Lei 28/2006. O motivo pelo qual a multa prevista para quem viaja sem bilhete válido é muito pesada (mínimo 100 vezes o preço do bilhete) é a ocorrência de numerosas fraudes, que o legislador quer prevenir. Não é este o caso do passageiro que tem passe válido para o período em que faz a viagem, mas que apenas não passou o passe na máquina antes de entrar no comboio.

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    3. Quanto às multas, a CP faz o auto, a AT cobra a multa. “Cobra” é uma força de expressão, porque, como pode ler aqui , o fisco ainda não cobrou uma única multa e há 9,5 milhões de euros por cobrar.

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    4. E para terminar: o artigo 7.º, n.º 2 do DL 58/2008 diz que em caso de perda do título de transporte, “o passageiro pode provar a sua existência por meio de fatura, recibo ou outro documento comprovativo da respetiva aquisição e validade”. Ou seja, se um revisor aparecer e eu não tiver “validado” o passe, e para simplificar as coisas, basta-me dizer que perdi o passe e mostrar o documento comprovativo da sua aquisição, para não me ser aplicada a multa que a CP quer passar a aplicar.

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