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«Não julgo o 31 de janeiro pelo seu falhanço. Não julgo o 16 de março pelo
seu falhanço. Julgo-os pelo 5 de outubro e pelo 25 de abril».
Depois da segunda-feira negra para a Europa, e perante
o pessimismo reinante, vale a pena rever estas palavras de Pacheco Pereira,
proferidas no Fórum Lisboa em 2 de julho (ainda antes do referendo grego) (Pacheco Pereira publicou parte da intervenção no blogue Abrupto; ver texto
abaixo deste vídeo):
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“Falemos de
patriotismo.
Imaginemos 1640
e os conjurados; imaginemos 1765 e os colonos americanos; imaginemos 1940 e os
franceses que ouviam a palavras de Pétain após a capitulação; tudo situações
muito diversas, mas com uma coisa em comum.
Os portugueses,
os colonos americanos e os franceses, todos ouviram as mesmas palavras,
todos ouviram os mesmos sábios conselhos, todos escutaram apelos à razão, à
realidade, ao realismo, à sensatez, à passividade, à prudência, ao respeito por
quem manda, à ordem estabelecida. Todos também ouviram algumas ameaças:
deixem-se estar quietos porque as consequências serão terríveis, não tenham
veleidades que não vão conseguir alguma coisa, as coisas são como são, a
realidade é muito forte e quem a contestar verá cair-lhe sobre o corpo toda a
força dos poderosos.
A realidade.
Falemos da realidade. A realidade do “não há alternativa”. Ou, como dizem
alguns neo-filósofos da direita, que confundem ignorância com desenvoltura e
topete, a p.d.r., a p--- da realidade que atiram à cara dos que discordam, dos
que acham que há alternativas.
Isso é tudo
muito bonito, dizem, muito solidário, muito nobre, mas e a realidade? E a
p.d.r.?
Vamos pois
devolver-lhes a realidade com juros. Com juros como os da Grécia.
Havia algo de
pior do que a realidade, do que a que existia em 1640, 1765 e em 1940? A
realidade em 1640 eram os Filipes e Miguel de Vasconcelos, em 1765 eram os
casacas vermelhas e os seus mosquetes, os barcos de Sua Majestade Jorge III e
os mercenários do Hesse e, em 1940, as tropas do Reich de 1000 anos mais a
Gestapo, a que em breve se juntaram as milícias e a polícia francesa.
Em matéria de
p.d.r. é difícil haver melhor. Os tecnocratas da troika e os seus mandantes
políticos são anjinhos comparados com estes mandatários da realidade. Da p.d.r.
Mas não chegou,
não era assim tão realidade como isso, havia, como há sempre, outras
realidades, as que nós fazemos, pelas nossas mãos.
A Duquesa de
Bragança queria ser rainha pelo menos por um dia e, como nestas coisas as
mulheres costumam ir à frente, disse ao seu homem para conspirar. A realidade
ameaçava-lhe separar a cabeça do corpo, mas ele e os 40 conjurados acabaram por
enviar Miguel de Vasconcelos pela janela a bombar e devolver à origem a outra
Duquesa, a de Mântua. A I República, e bem, resolveu que o 1º de Dezembro tinha
que ser feriado e os nossos patriotas de bandeirinha à lapela, acabaram com
ele. É que os conjurados deviam ser certamente radicais e do Syriza.
A realidade em
1675 devia dizer ao senhor Benjamin Franklin que podia fazer uma startup de
sucesso com os seus para-raios, a John Adams que podia ser um bom advogado de
negócios de Boston, ao senhor Hamilton que podia ser um eficaz administrador
colonial, ao senhor Jefferson um bom professor universitário e um scholar erudito,
ao senhor Washington um bom agricultor e a cada um dos “pais fundadores” que
podiam ser apenas... pais.
Mas a outra
realidade disse-lhes também que “no taxation without representation”, e
que o Parlamento inglês não devia mandar nos colonos americanos que não o
elegiam. O resultado é que o chá foi para o fundo do Porto de Boston e
apareceram umas bandeiras com uma víbora e que diziam: “não me pises”. “Não me
pises”, foi assim que foi fundado esse tenebroso país esquerdista e irreal, os
EUA.
Em 1940 -
quanto mais perto de nós, mais a realidade é dura -, o que é que Pétain
disse aos franceses? Aceitem a realidade. E a realidade é a ocupação
alemã. E quais são os interesses da França? Colaborar com o ocupante, ser bom
aluno da Nova Ordem Europeia e fazer o trabalho sujo dos alemães:
perseguir os judeus, executar os resistentes, combater ao lado das SS. Era este
o seu “trabalho de casa”.
Mas havia em
França uns irrealistas criminosos, um radical esquerdista chamado De Gaulle que
foi para Londres apelar à revolta contra a realidade. Franceses tão radicais
como ele, como Jean Moulin, e franceses menos radicais do que ele, os comunistas
depois do fim do Pacto Germano-Soviético, começaram a trabalhar contra a
realidade. E depois foi o que se viu. Lá se foi a realidade dos neo-filósofos,
a tal da p--- da realidade, a de que não há alternativas.
Amigos,
companheiros e camaradas:
Eu gosto do meu
país. É o meu povo, a minha língua, as minhas palavras e as dos meus, falem
"assim" ou "axim", digam "vaca" ou digam
"baca", digam "feijão verde" ou "vagens".
Portugal é, ou devia ser, o único sítio onde o meu voto manda. Mas o
meu voto manda cada vez menos. Não gosto, não aceito e protesto. Como para
os revolucionários americanos, também no meu país, há “taxation without
representation”. Também no meu país há colaboração, diktats, obediência e
submissão. Também no meu país, a realidade é feita de mentiras.
É por isso que
o destino dos gregos não me é indiferente, bem pelo contrário.
Não quero saber
se o governo grego está a fazer tudo bem ou não. Não quero saber se Varoufakis
é arrogante ou não. Nem, verdadeiramente, o meu julgamento sobre os
gregos está dependente de eles terem sucesso ou não. Não julgo o 31 de
janeiro pelo seu falhanço. Não julgo o 16 de março pelo seu falhanço. Julgo-os
pelo 5 de outubro e pelo 25 de abril.
O que eu sei é
que houve um governo na União Europeia que resistiu a cortar mais salários e
pensões a quem já tinha visto salários e pensões cortadas.
Podem falhar,
mas resistiram.
O que eu sei é
que houve um governo que quis defender o seu país de ser controlado por
estrangeiros e por uma burocracia transnacional de tecnocratas pedantes que
detestam a democracia e “esnobam” dos políticos. Os tais que são os "adultos"
que estão dentro da sala.
Podem
falhar, mas resistiram.
O que eu sei é
que houve um governo que quis ser fiel às suas promessas eleitorais e que não
quis ser uma versão grega do Senhor Holande, ou dos socialistas que acham
que são membros suplentes do PPE.
Podem falhar,
mas resistiram.
O
que eu sei é que há um país onde muita gente prefere a dignidade e o
patriotismo do que andar de cabeça baixa a abanar a alma dos poderosos.
Podem falhar,
mas resistiram.
Não sei se isto
é de esquerda ou de direita, sei que isto é ser um bom grego. E isso é um
exemplo que nós queremos seguir, para sermos bons portugueses, que gostam
do seu país e do seu povo.
Perante uma
realidade iníqua, há um valor moral em tentar criar outra realidade que não
comece por p.
Se há coisa que
a história mostra é que vale a pena”.
(Pacheco
Pereira, historiador)
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