"O actual Governo alterou o
horário de trabalho na função pública das 35 para as 40 horas semanais. Já com
a troika ausente do nosso país, resiste em repor o horário anterior, alegando
que este alargamento aumenta a produtividade, reduz custos (por exemplo, no
pagamento das horas extraordinárias) e acaba por ser uma medida justa, já que
equipara o horário de trabalho do sector público ao do sector privado.
Esta medida constitui um erro
político pelas razões que passarei a expor. Em primeiro lugar, subsiste, em
muitos políticos e empresários, a crença errada de que presença prolongada no
local de trabalho é sinónimo de maior produtividade e compromisso laboral. Esta
ideia é falsa. A produtividade cai inevitavelmente com o cansaço, pois a nossa
capacidade de concentração é limitada e o nosso organismo não é propriamente
uma máquina que se programa de acordo com as conveniências. Além disso, quando
se insiste em prolongar demasiado as horas de trabalho, os erros aumentam e o
preço a pagar na nossa saúde é elevado.
Actualmente, na nossa
sociedade, vivemos um curioso paradoxo: apesar de terem sido criados inúmeros
meios tecnológicos para nos facilitarem a vida, tudo parece mais difícil e o
ritmo do dia-a-dia não pára de aumentar. São muitas as pessoas que se queixam
de falta de tempo, pois são obrigadas a trabalhar demasiadas horas. Sei, por
experiência clínica, que em muitos empregos do sector privado quem se limitar a
cumprir o horário — ainda que tenha produzido convenientemente — é visto
pelas chefias com um olhar crítico; como alguém que está desinteressado, não se
empenha e não “veste a camisola da empresa”. De acordo com esta nova ética
laboral insensata, fica mal sair do trabalho a horas. Deste modo, tem-se vindo
a criar um clima de pressão insustentável para que se considere “normal”
cumprir uma jornada de trabalho (maioritariamente não remunerada) que vai
muitas vezes além das 50 horas semanais.
Umas das consequências de ter
um horário excessivamente alargado é o aumento de risco para o burnout. Esta
síndrome poderá ser definida como uma reação emocional crónica caracterizada
pela desmotivação, desinteresse, e um mal-estar geral na relação com o
trabalho. Nestes caso, o desejo de abandonar o emprego transforma-se num
pensamento constante, a produtividade diminui e o absentismo aumenta. Com o
tempo podem surgir perturbações depressivas e de ansiedade, abuso de álcool,
etc. Recentemente realizámos um estudo na Faculdade de Medicina de Lisboa
(ainda não publicado) e verificámos que cerca de 15% dos médicos hospitalares
encontram-se em burnout. Curiosamente, um dos factores de risco associados foi
precisamente o trabalho superior a 40 horas semanais.
O nosso país precisa
urgentemente de tomar medidas que aumentem a natalidade. Mas isso não se faz
apenas com benefícios fiscais, nem com mais um subsídio ou abono de família. Já
há muito tempo que se sabe que a qualidade de vida, a produtividade e o desejo
de ter filhos está associado à possibilidade de conciliar o trabalho e a
família. Manter, obstinadamente, o horário de trabalho nas 40 horas semanais,
seja no sector público ou no privado, e impedir uma adequada flexibilidade da
jornada laboral, é uma medida antinatalidade. Sair mais cedo uma hora por dia
do trabalho faz muita diferença para pais e mães, uma vez que estes andam
diariamente num autêntico corrupio, perdendo várias horas nas deslocações entre
o trabalho, casa, escola e actividades extracurriculares. Ora, este desgaste
não se mede e, por conseguinte, não aparece nas folhas de Excel dos decisores
políticos, mas está bem presente na vida do cidadão comum que se esforça
arduamente por criar os seus filhos, trabalhar e pagar os seus impostos.
O trabalho excessivo pode-se
tornar numa “sanguessuga”, pois vai-nos roubando o tempo, a nossa energia, a
nossa saúde, os nossos amigos e a nossa família, deixando-nos isolados e mais
infelizes. Há que pôr fim à idolatria das 40 horas de trabalho semanais.
Considero que um país desenvolvido e produtivo tem que ter a ambição de pensar
nas pessoas, oferecendo-lhes tempo para viver. Todos teríamos a ganhar se o
horário de trabalho fosse reduzido e flexibilizado. Ter mais tempo para viver é
ter mais possibilidades de se fazer aquilo que para nós é importante; ter mais
tempo é ter mais liberdade, ganhar qualidade de vida e ter mais saúde. Talvez
esta medida pudesse ajudar os portugueses a serem um povo menos envelhecido,
mais feliz, e deste modo sairmos do topo da lista dos países da Europa onde se
consome mais antidepressivos".
Pedro Afonso, médico psiquiatra, publicado aqui em Maio de 2015
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