10.3.15

Pontevedra, limite máximo de 30 km/h em toda a cidade

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Em 2010, Pontevedra, cidade galega com mais de 80 mil habitantes (seria, se fosse portuguesa, a nossa 10.ª maior cidade), tornou-se a primeira cidade espanhola a generalizar a toda a urbe o limite máximo de velocidade de 30 km/h (a única exceção é o centro da cidade, onde a velocidade máxima é de 20 km/h). Não há uma única rua ou avenida da cidade onde seja permitido circular a uma velocidade superior a 30 km/h.

Seguindo as boas práticas, a implementação desta medida foi acompanhada da introdução de medidas de acalmia de tráfego, como por exemplo lombas ou plataformas elevadas; aumento do número de passadeiras, sendo a maioria delas sobrelevadas ao nível do passeio; ou a diminuição da largura da faixa de rodagem, em muitos casos acompanhada de uma elevação do nível dos passeios, de modo a criar o chamado “efeito de túnel”, indutor da sensação de estreitamento da via, desincentivador de velocidades elevadas; de tal forma que, em muitas ruas da cidade, é o próprio desenho urbano que impõe velocidades baixas de circulação (os automobilistas sentem que não podem andar a velocidade superior).

Desde a introdução, em 2010, do limite de velocidade de 30 km/h, não houve um único desastre mortal em toda a cidade, e o número de desastres graves diminuiu drasticamente, para quase desaparecer: apenas três feridos graves em quatro anos e meio (menos de um por ano). Pontevedra é hoje a cidade mais segura de Espanha do ponto de vista da mobilidade. E está entre as cinco cidades mais seguras do mundo, de acordo com um estudo datado de 2014.

Os efeitos da redução do limite máximo de velocidade na sinistralidade não constituem, aliás, qualquer surpresa, estando abundantemente estudados e comprovados (ver nota 1).

Mas não se restringiram à sinistralidade os efeitos positivos dessa redução. Diminuiu também o ruído e a poluição atmosférica:

- Diminuir a velocidade máxima de circulação de 50 km/h para 30 km/h tem como efeito uma diminuição do ruído de tráfego de cerca de 3dbA, o equivalente a uma perceção de redução do ruído para metade.

- A redução da poluição do ar explica-se, nomeadamente, pela diminuição dos congestionamentos e o aumento da fluidez de tráfego, em consequência da redução do chamado “efeito de harmónio”, também amplamente estudado. Quando aumentam as diferenças da velocidade de circulação dos veículos, são muito mais frequentes as travagens, as acelerações e as paragens.

Esta medida surgiu no contexto de uma transformação extraordinária da cidade de Pontevedra levada a cabo pela respetiva autarquia desde 1999, com o objetivo de recuperar um espaço público que estava dominado pelo automóvel, e em que não faltavam as avenidas transformadas em pistas de carros e os espaços pedonais - que eram exíguos - invadidos pelo estacionamento selvagem. Em menos de 15 anos, Pontevedra voltou a ser uma cidade pensada em primeiro lugar para as pessoas, e não para os carros (ver nota 2), e é hoje uma referência internacional, tendo já recebido vários prémios e influenciado mudanças noutras cidades.

Medidas deste género contam sempre com alguma resistência inicial (mesmo que, no caso, a redução do limite para 30 km/h tenha sido aprovada sem qualquer voto contra; mesmo o PP, que se absteve, estava de acordo com a medida), sendo essa resistência motivada essencialmente por desconhecimento dos seus efeitos positivos. Mas depois de implementadas, a sua aceitação torna-se mais ou menos generalizada em curto prazo, perante a evidência dos seus efeitos benéficos para a saúde, para a segurança e para a qualidade de vida. Foi o que sucedeu em Pontevedra.       

Presentemente, há um projeto para estender o limite 30 a todas as cidades espanholas. Existe também uma recomendação do Parlamento Europeu, aprovada em 27/9/2011, para que o limite de velocidade não exceda os 30 km/h pelo menos nas zonas residenciais, em toda a União Europeia.

Há, em Portugal, 150 cidades com menor dimensão do que Pontevedra. Todas têm, como regra, o limite de velocidade de 50 km/h.

Este texto poderia ser uma introdução ao artigo que se segue.
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Notas:
(1) Por exemplo, num atropelamento, a probabilidade de o peão morrer aumenta nove vezes se a velocidade de embate for de 50 km/h, por comparação com um embate a 30 km/h. Num atropelamento a 30 km/h, a probabilidade de morte é muito reduzida e um em cada três atropelados sai ileso, sem qualquer ferimento; a 50 km/h, um em cada dois peões perde a vida e só 5% é que saem ilesos. Nos que ficam feridos, a gravidade das lesões é, naturalmente, muito maior quando a velocidade é de 50 km/h. Pode ser a diferença entre uns arranhões e uma vida numa cadeira de rodas.

Mas a própria probabilidade de ocorrer um desastre diminui consideravelmente:

- Em primeiro lugar, quanto maior for a velocidade, menor é o campo de visão do condutor (é o também chamado “efeito de túnel”), o que acarreta uma diminuição da perceção das situações de perigo, e, consequentemente, um aumento do tempo de reação do condutor perante situações que exigem uma travagem imediata.

- Em segundo lugar, quando o perigo é detetado, a chamada “distância de reação” do condutor é muito maior se ele circular a 50 km/h. Há condutores que acharão que funcionam como máquinas e que podem pôr imediatamente o pé no travão. Mas não é assim. Somos seres humanos e levamos normalmente entre um segundo e um segundo e meio a pôr o pé no travão, depois de nos apercebermos da necessidade de fazer uma travagem de urgência. Esse tempo faz toda a diferença. Mesmo se admitirmos um tempo de reação de apenas um segundo: se conduzirmos a 30 km/h, o carro desloca-se a 8 metros por segundo, pelo que, entre o momento em que nos apercebemos do perigo e o momento em que pomos o pé no travão, o carro já andou mais 8 metros; a 50 km/h, essa distância sobe para 14 metros – quase o dobro. Pode ser a diferença entre nem sequer chegar a haver atropelamento e um atropelamento mortal.

- Em terceiro lugar, a 50 km/h aumentam brutalmente as distâncias de travagem. Depois de pormos o pé no travão, a distância que o carro percorre até se imobilizar triplica se a velocidade for de 50 km/h, por comparação com a circulação a 30 km/h. Mais uma vez: pode ser a diferença entre nem sequer chegar a haver atropelamento e um atropelamento mortal.

(2) Este assunto será desenvolvido noutros artigos deste blogue.
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