26.7.13

Foi aprovada a alteração do Código da Estrada

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Foi aprovada anteontem, na Assembleia da República, a lei de revisão do Código da Estrada, com os votos a favor de todos partidos, exceto do Partido Ecologista “Os Verdes” (que se absteve).
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Esta revisão constitui um tímido progresso, que nos aproxima um pouco dos países civilizados, sobretudo no que se refere ao estatuto da bicicleta na via pública:

- As bicicletas passam a beneficiar do mesmo regime de prioridade dos veículos a motor (o que significa, por exemplo, que, como regra geral, os automóveis passam a ter de ceder a prioridade a uma bicicleta que se apresente pela direita);

- Os ciclistas deixam de ser obrigados a utilizar as ciclovias, quando existam (embora, numa má técnica legislativa, se tenha passado a prever que as devem utilizar “preferencialmente”, sem que se perceba o que é que isso significa exatamente em termos práticos);

- As bicicletas (tal como outros veículos, aliás) passam a poder utilizar os corredores de transportes públicos (“BUS”), se a sinalização o permitir;

- Acaba-se finalmente com a proibição de os ciclistas circularem a par, o que vem reforçar a sua segurança (mas acrescentou-se “desde que tal não cause perigo ou embaraço ao trânsito”, no que constitui mais uma restrição equívoca);

- Obriga-se os automobilistas a reduzir a velocidade sempre que pretendam ultrapassar uma bicicleta, sendo que na ultrapassagem têm de guardar uma distância lateral mínima de 1,5 metros;

- É criada a figura das passagens de ciclistas, com um regime paralelo ao das passagens de peões, e em que os ciclistas têm prioridade sobre os automóveis.
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Permanece a obrigatoriedade de o ciclista circular pelo lado direito da via, embora deixe de se prever que tem de circular “o mais próximo possível da berma ou passeio”. A modificação é positiva, mas insuficiente, não se tendo tido em conta que é perigosa a solução de obrigar o ciclista a circular pela direita (devia poder circular a meio da via), nomeadamente porque os automobilistas são tentados a fazer ultrapassagens no espaço restante disponível da via, que resultam muitas vezes em acidentes graves (graves para o ciclista, claro). A obrigatoriedade de manter uma distância lateral de 1,5 metros nas ultrapassagens ameniza um pouco o problema, mas já se sabe que os automobilistas portugueses não ligam muito a regras e existirá sempre a tentação de ultrapassar utilizando o espaço disponível na mesma via, fazendo razias ao ciclista. A obrigação de circular pela direita nem sequer tem lógica, a partir do momento em que os ciclistas podem circular a par, ocupando toda a via.
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A utilização da bicicleta em meio urbano é hoje banal e abundante no resto da Europa, e em Portugal ainda é vista com desprezo por parte de muitos automobilistas (que a veem como um empecilho). Espera-se que estas alterações ao Código da Estrada constituam um ponto de partida para mudar as coisas e contribuam para o crescimento da utilização da bicicleta.
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Se para os utilizadores da bicicleta a coisa melhorou, para os peões tudo continua mais ou menos na mesma. Ou seja, mal. Nos atravessamentos nas passadeiras, por exemplo, Portugal continua a ter um Código da Estrada ilegal e perigoso, que só obriga os automobilistas a parar para deixar passar os peões se estes já tiverem iniciado a travessia,
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(a perigosidade desta solução é tão óbvia que é inacreditável como é que até hoje ainda não se alterou a regra, num país que tem uma enorme percentagem de atropelamentos graves ocorridos em plena passagem de peões)
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isto quando, segundo a Convenção de Viena sobre a circulação rodoviária, a que Portugal está vinculado, os automobilistas são obrigados a parar e a deixar passar os peões que estejam a atravessar ou se preparem para atravessar a rua.
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Como se já não bastassem os carros em cima dos passeios, os peões agora ainda têm de levar com as bicicletas das crianças até aos 10 anos, que passam a poder circular nos passeios (desde que não ponham em perigo os peões, diz o artigo: confia-se em que uma criança de 10 anos, que pode não ter os pais por perto, saiba avaliar corretamente se põe ou não em perigo os peões, quando é sabido que as crianças, irresponsáveis por natureza, têm uma perceção muito menor das distâncias e do perigo).
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Introduziu-se finalmente em Portugal o conceito de “utilizadores vulneráveis” (ciclistas, peões, “em particular crianças, idosos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida e pessoas com deficiência”), no que poderá constituir um primeiro passo para uma séria mudança de atitude por parte dos automobilistas, que têm de ter consciência da grande perigosidade da máquina que conduzem, perante utilizadores vulneráveis da via pública. Nomeadamente, em matéria de velocidade: a simples proximidade de utilizadores vulneráveis obriga o automobilista a "moderar especialmente a velocidade".
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Foi introduzido um artigo novo sobre a circulação nas rotundas, numa tentativa de se acabar com o comportamento errado da maioria dos condutores portugueses, consistente em circularem na via da direita, quando a rotunda tem várias vias. Com esta alteração, fica claro que, nas rotundas, os condutores só podem utilizar a via da direita antes da saída que pretendem utilizar; caso contrário, têm de circular nas vias interiores, ou seja, nas vias mais à esquerda. 
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(mais uma vez, numa má técnica legislativa, o legislador, ao prever as regras sobre circulação nas rotundas, pressupôs que todas as rotundas do país têm duas ou mais vias, o que, como se sabe, não é verdade; e não excecionou os casos em que há duas saídas muito próximas, em que é perigosa a regra de só se passar para a via da direita depois da saída anterior àquela que se pretende utilizar: obrigar os automobilistas a mudanças de direção bruscas é uma péssima ideia)
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Finalmente, foi criada outra nova regra que, com toda a probabilidade, vai ficar apenas no papel ou vai ter uma aplicação muito residual, conhecendo-se os autarcas que, com honrosas exceções, temos neste país. Portugal, à semelhança de outros países da Europa onde se percebeu há muito que é preciso libertar as zonas urbanas do excesso de automóveis e do domínio do automóvel sobre a vida urbana, passa finalmente a ter as chamadas “zonas de coexistência”, onde a velocidade máxima é de 20 km/h e os peões e os ciclistas têm prioridade, podendo as pessoas (ex. crianças) utilizar a via para, por exemplo, jogar à bola. Já se imagina que esta nova figura vá constituir objeto de zombaria quando começarem a ser divulgadas as alterações, ou não fôssemos nós o país atrasado que somos nesta matéria.
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De resto, pouco mais há de novo que mereça destaque. Ainda não foi desta que se introduziu em Portugal o sistema (prometido há muito tempo) da carta por pontos, que tão bons resultados tem tido nos países onde foi aplicado. Por outro lado, há uma recomendação do Parlamento Europeu de limitação a 30 km/h da velocidade máxima nas zonas urbanas (como regra), e durante o processo legislativo foi apresentada aos deputados uma proposta de fixação desse limite de velocidade. Não foi aceite. Os números em Portugal são esmagadores e vergonhosos: mais de 75% de todos os desastres com vítimas acontecem dentro das localidades.  
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Apesar de tudo, ficamos com um Código da Estrada melhor.
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