20.12.11

Uma lógica de austeridade sem qualquer perspectiva de futuro

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“Há 200 anos, um grande pensador de língua francesa - Benjamin Constant – fez, em 1819, uma conferência em que falava sobre a comparação entre a democracia antiga e a democracia moderna”. E ele dizia uma coisa “que foi profética (…): dizia ele que o grande problema das democracias contemporâneas é que o espaço público vai ser abandonado pelos cidadãos que poderiam dar mais contributo para o enriquecimento desse espaço público: vamos deixar a esfera da política àquelas pessoas que não são capazes de construir narrativas sólidas na sua vida profissional – na economia, nas empresas, nas universidades, no jornalismo, em todos os domínios”.
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“A nossa cultura política dominante é baseada na leitura de folhas A4. Eu penso que há muitos dirigentes políticos que não conseguem ler um livro do princípio ao fim”.
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“Estamos a assistir à incompetência, num momento de crise em que era preciso tomar decisões estratégicas, de uma classe política que foi desenhada apenas para os momentos de acalmia e para os momentos sem dificuldades. E neste momento não conseguem encontrar uma saída – e essa saída existe”.
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[O consenso tão generalizado em torno de uma não solução saída da última cimeira do Conselho Europeu] “é claramente um indicador de um colapso, de uma falência da capacidade cognitiva da classe política europeia. As direcções políticas que governam os nossos países… uma hipótese é a de que são incapazes de fazer um diagnóstico correcto da situação”, sendo esse o caso da Sra. Merkel e do Sr. Sarkozy.
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“Estamos em mais uma etapa de uma estratégia delineada há 18 meses, quando se identificou a questão grega, e desde aí as respostas (…) foram respostas terapêuticas para uma doença que estava mal diagnosticada”.
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“O grande problema é que a Sra. Merkel enveredou e comandou totalmente uma resposta estratégica, uma terapia, [que] está a falhar e ela insiste em continuar nela e [em] aprofundá-la”.
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“Ainda hoje o que é proposto, com este reforço da disciplina orçamental [acordado na última cimeira europeia], está ainda no quadro da narrativa do diagnóstico de que as coisas estão a correr mal porque os países se portam de forma indisciplinada do ponto de vista fiscal e orçamental. Essa é uma visão que, se tivéssemos uma liderança inteligente, já teria sido desmentida há muito tempo. Porque se assim fosse não se percebe porque é que a contaminação (…) está a atingir o centro do próprio sistema – porque é que a contaminação está a atingir, por exemplo, um país como a Espanha, que tem uma situação de dívida pública muito mais confortável do que a alemã, por exemplo”. “Até a Áustria, até a Finlândia, já sofreram uns abanões desta crise”.
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“Nós temos uma narrativa de austeridade, e com esta revisão que é proposta (…) é uma austeridade infinita, é uma austeridade perpétua. [A austeridade] só faz sentido se tiver um sentido justificador, e neste momento não existe”.
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Os cidadãos “serão capazes de aceitar austeridade se isso significar (…) uma condição fundamental para conseguirmos estabilizar as finanças públicas e recuperar um desenvolvimento sustentável na Europa. Não é isso que está a acontecer. O Conselho Europeu não teve uma única resolução sobre, por exemplo, a possibilidade e a necessidade de avançarmos com projectos pan-europeus em áreas críticas como a energia, o ambiente, a segurança alimentar (…). Foi um Conselho Europeu que tratou apenas de aprofundar uma lógica de austeridade sem qualquer perspectiva de futuro”.
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“Como é que é possível desenharmos, neste quadro, e perante os desafios mundiais – que não vão esperar por nós – uma verdadeira resposta europeia”?
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Um “grande risco que pode acontecer – e devemos fazer tudo para que não aconteça – é que os cidadãos europeus associem a austeridade à União Europeia, e não a este momento doentio, patológico da União Europeia, mas que também se cura”.
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“E o problema é que neste momento o directório franco-alemão não tem tido nenhuma resposta organizada por parte dos outros estados membros”.
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“Para os países em dificuldades, como é o caso de Portugal, o pânico retira a lucidez. Há uma submissão que tem a ver, no fundo, com a fragilidade da situação em que estamos”.
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“A primeira coisa que podemos fazer é discutir entre nós o que se passa”. Precisamos “de um grande consenso nacional” entre “as forças partidárias e as forças sociais. O consenso que nós temos é o consenso dos três partidos que subscreveram o programa de intervenção e de ajustamento da troika. Isso (…) é um consenso em estado de necessidade. Nós precisamos de um consenso para sair do estado de necessidade”.
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“Portugal tem condições de apresentar propostas”. “Os nossos líderes nacionais no Conselho Europeu parece que partem do princípio de que as boas ideias dependem do PIB dos países. As boas ideias são boas em si próprias, dependem da coerência, da correspondência com a realidade (…), [têm a ver] com o rigor, com a base científica”. “Nós podemos traçar um projecto de reforma dos tratados”. Podemos “fazer um diálogo bilateral com outros países da União”, como Espanha, França, Itália ou a Grécia.
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“Estamos a falar de cerca de 500 milhões de cidadãos. Estamos a falar talvez da cidadania mais culta, mais alfabetizada que a história já conheceu. E eu não estou a ver os cidadãos europeus a aceitarem esta austeridade sem resposta cívica”.
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"Estes líderes que nós elegemos são líderes que não têm uma coisa fundamental para se ser um grande político: é a noção do perigo, a noção da fragilidade, a noção de que tudo pode ser invertido por um golpe de dados do acaso. São pessoas que nasceram em períodos de paz, foram criadas e educadas na estabilidade e foram eleitos para gerir «o mais do mesmo». Estamos num momento que é transformacional e não conseguem, não conseguem..."
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Viriato Soromenho Marques, na segunda parte da entrevista concedida ao programa da SIC Notícias “Portugal 2011” da semana que passou (todas as citações excepto a última), e em entrevista ao Jornal das 9 do mesmo canal (último parágrafo).
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