11.11.11

As opções da Europa, o orçamento de Portugal e as alternativas

SPACE
«A Cimeira do Euro pode resumir-se a quatro recusas. Recusa em abandonar as terapias de choque da austeridade e da "desvalorização interna", recusa em reconhecer o fracasso desta estratégia na Grécia, recusa em atribuir ao Banco Central Europeu o papel de prestamista de última instância que lhe devia competir, recusa em assumir o controlo da actividade bancária.
SPACE
A cimeira, com as suas decisões e indecisões, deu um passo de gigante na transformação do processo de integração europeia no sentido de uma "governação económica" que se anuncia com perdas de soberania, mas sem democracia.
SPACE
Enquanto tudo é tentado para seguir em frente, nada alterando no que é fundamental - a arquitectura disfuncional do euro -, Portugal é encorajado a aprofundar o empobrecimento e o declínio inscritos no memorando da troika e agravado pelo Orçamento para 2012.
SPACE
As escolhas do Orçamento
SPACE
As medidas inscritas na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2012 - corte de dois meses de salário e pensões no sector público, cortes na despesa com a Segurança Social, a Saúde e a Educação, e aumento da carga fiscal indirecta - convergem no sentido de uma profunda depressão económica em Portugal.
SPACE
A estratégia subjacente ao Orçamento de 2012 será incapaz de cumprir os objectivos de redução do défice e da dívida pública. A capacidade de obtenção de receita fiscal irá ressentir-se não só da contracção do rendimento, como da expansão da economia paralela e do aumento da evasão fiscal. Iremos assistir a sucessivas "surpresas" e adendas restritivas. Ao longo deste processo, o endividamento não deixará de aumentar em valor absoluto e em percentagem do PIB.
SPACE
A "desvalorização interna" implícita no Orçamento não permitirá reequilibrar o défice externo. A recessão anunciada para 2012 é instrumental para a estratégia de "desvalorização interna", que visa aumentar o desemprego para reduzir o nível dos salários, de forma a tornar mais competitivas as exportações portuguesas. No entanto, esta desvalorização interna é enganosa por dois motivos: (a) o nível de redução dos salários necessário para produzir um resultado comparável ao de uma desvalorização cambial é socialmente insustentável; (b) o efeito da desvalorização interna em Portugal será anulado, como acontece com o das desvalorizações competitivas, pelo facto de os maiores parceiros comerciais de Portugal estarem a prosseguir estratégias idênticas.
SPACE
A confiança dos credores não será restabelecida. No final de 2013 a economia portuguesa terá regredido para o nível do produto de há uma década. No entanto, a situação será incomparavelmente pior do que a de então: tanto o desemprego como a dívida pública terão duplicado. Compreende-se mal por que razão, neste quadro, os credores recuperariam a confiança perdida. A economia portuguesa estará destroçada e será tratada como uma economia insolvente por todos os credores, incluindo o FMI, o BCE e a União Europeia.
SPACE
As alternativas
SPACE
Firmado há apenas cinco meses, os memorandos da troika já estão ultrapassados. A envolvente externa modificou-se e vai modificar-se para pior. Algumas das medidas foram abandonadas, nomeadamente a redução da TSU; outras, no domínio da Educação e da Saúde, estão a ser objecto de interpretação distorcida ou de uma implementação reforçada. O que passa a estar em vigor com a proposta de Orçamento para 2012 vai muito "para além" dos compromissos firmados.
SPACE
Não se trata já de respeitar um compromisso assumido. Os memorandos transformaram-se antes numa justificação para a implementação de um programa que nunca foi assumido nem sufragado em eleições. A questão não é a inexistência de alternativas, mas antes a preferência pela alternativa que se diz ser única.
SPACE
Outras alternativas dependem em grande medida de decisões políticas tomadas no quadro da União Europeia. A emissão conjunta de euro-obrigações, a taxação das transacções financeiras e o reforço do orçamento comunitário, até há pouco considerados impensáveis, são hoje praticamente consensuais. Há, no entanto, bloqueios poderosos que estão a impedir as decisões que poderiam salvaguardar o projecto europeu. Uma alternativa à aceitação passiva da desconstrução da Europa seria uma intervenção afirmativa, articulada com outros países, que favorecesse a adopção de uma resposta sistémica a uma crise do euro que na sua origem tem um sistema monetário disfuncional.
SPACE
Entretanto, com ou sem decisões europeias, há opções que estão a ser feitas pelas autoridades nacionais que têm enormes consequências. Uma delas diz respeito à repartição da carga fiscal entre diferentes grupos sociais. O Orçamento configura, mais uma vez, uma opção feita a favor dos rendimentos do capital em detrimento dos do trabalho, injustificável não só em termos de justiça como de eficiência. Em contexto recessivo, enquanto a taxação acrescida dos rendimentos de trabalho se traduz inevitavelmente em quebra certa da procura agregada, a preservação dos rendimentos do capital não tem como contrapartida garantida qualquer retoma do investimento. A alternativa seria o restabelecimento da justiça fiscal, com a sujeição de todos os rendimentos a um regime semelhante aos do trabalho.
SPACE
Outra das opções, em negociação nos bastidores, diz respeito à banca. Face à relutância dos accionistas em aplicar os seus capitais na actividade bancária, o memorando previa já o recurso a capitais públicos para a recapitalização dos bancos. As condições em que parte da dívida contraída pelos portugueses será canalizada para este fim são uma questão crucial. Os capitais públicos devem servir para garantir a concessão de crédito às actividades produtivas que neste momento são prioritárias, isto é, as orientadas para a exportação e/ou a substituição de importações. A alternativa ao bónus aos accionistas e gestores que se desenha seria uma mobilização de capitais públicos para a actividade bancária acompanhada pelo controlo público dessa mesma actividade.
SPACE
Mas a opção mais decisiva diz respeito à dívida pública. O défice e a dívida pública foram constituídos numa emergência que impede de pensar o futuro da economia portuguesa e de Portugal. No processo esqueceu-se que as obrigações junto dos credores são uma das múltiplas obrigações do Estado português. Fazer prevalecer os interesses dos credores sobre os direitos básicos dos cidadãos carece de toda e qualquer legitimidade. O que está agora em causa são, efectivamente, direitos básicos no domínio da saúde e do acesso à educação, habitação e protecção social. Estão a ser violados os compromissos que o Estado contraiu junto dos pensionistas, dos desempregados, dos trabalhadores da administração pública, do conjunto dos trabalhadores.
SPACE
Além do mais, a submissão às imposições dos credores criará a prazo uma situação de insolvência. Face à situação de emergência, a estratégia explícita e implícita do Orçamento de 2012 não é uma alternativa. Alternativa é a reabertura urgente do dossier negocial com os credores privados e institucionais, tendente à reconfiguração das maturidades, dos juros e dos montantes da dívida».
SPACE
Américo Mendes, doutorado em Economia, professor associado da Faculdade de Economia da Universidade Católica e investigador.
Ana Costa, doutorada em Economia, professora auxiliar e investigadora do ISCTE.
João Ferrão, professor universitário e investigador. Foi consultor da OCDE.
José Castro Caldas, doutorado em Economia, professor auxiliar do Departamento de Economia do ISCTE e investigador do Centro de Estudos Sociais.
Manuel Brandão Alves, doutorado em economia, professor catedrático de Economia do ISEG; investigador; Vogal do Colégio de Especialidade de Economia Política da Ordem dos Economistas.
Manuela Silva, doutorada em economia, professora catedrática de Política Económica e de Política Social do ISEG e investigadora.
SPACE
O título, os subtítulos e os negritos são dos autores.
SPACE
Publicado no jornal Público.

Sem comentários:

Enviar um comentário