6.6.16

A promoção


Quando estava prestes a ser pai, vários amigos, já com experiência de paternidade, contaram-me histórias inacreditáveis de como eram ignorados pelos pediatras dos seus filhos, nas consultas de pediatria.
«Estás ali e é como se não existisses. Não te cumprimenta, não te dirige a palavra, nem sequer olha para ti. Só reconhece a existência da mãe».
Não era uma questão de género: acontecia com pediatras do sexo feminino e do sexo masculino.
Um desses amigos contou que um dia, finalmente, após muitas consultas, passou a saber que existia para o pediatra, quando este, inesperadamente, lhe dirigiu a palavra.

Pensei para com os meus botões que aquilo que me estavam a contar seria talvez uma caricatura, com o exagero próprio das caricaturas. Há casos em que as caricaturas têm mais graça.

Mas logo que entrei no mundo da paternidade vivi, perplexo, a mesma história. Primeiro, na maternidade, onde estive todos os dias, durante quase um mês após o parto. 

Depois, nas consultas de pediatria (com a mesma pediatra que, no período da incubadora, salvou a vida de um dos meus bebés). Nem queria acreditar: mesmo que eu estivesse ao lado da mãe, a pediatra nem sequer me cumprimentava e só falava com a mãe. Como se eu me tivesse tornado invisível. Uma ou outra vez cheguei a iludir-me. Eu cumprimentava à entrada da consulta
“bom dia”
E a seguir ouvia a pediatra, toda sorridente
“olá bom dia, como tem passado”?
Mas estava a dirigir-se à mãe, não a mim.

Um dia, à entrada de mais uma consulta, a pediatra cumprimentou-me finalmente. E passou a fazê-lo desde então (e durante as consultas até responde a perguntas minhas). A diferença de tratamento continua, em todo o caso, a ser abissal. A mãe dos meus filhos é cumprimentada efusivamente e com beijinhos na cara. A mim a pediatra estende a mão, meio a despachar, e, geralmente, enquanto me estende a mão está a sorrir, mas não para mim, sorri para a mãe dos meus filhos. Estende-me a mão e já está a olhar para o lado, para a mãe dos meus bebés. Um dia juro que a ouvi dizer um
“olá”
enquanto me estendia a mão, mas fiquei na dúvida se seria para mim. 

Gostei, ainda assim, de ter sido promovido: deixei de ser invisível, passei a ser adereço. Qualquer dia, quem sabe, a pediatra referir-se-á a mim como o pai dos meus filhos.

Até meados do século passado, o pai praticamente não existia no mundo da criança, nos seus primeiros anos de vida. O pai era o sustento da família, e quase se esgotava aí o seu papel.

Mas os médicos pediatras – logo os pediatras! – estarão perfeitamente conscientes de que, entretanto, a realidade mudou bastante.

Continuo, por isso, a tentar perceber a razão de ser desta atitude repelente dos pediatras (de alguns deles, pelo menos, não posso, obviamente, generalizar). É para mim um dos mistérios da paternidade.


(fotografia: autor desconhecido. Tirada daqui)
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