4.4.14

REFER e Estradas de Portugal: uma fusão “bastante óbvia”?

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O Governo anunciou ontem a fusão entre a REFER e a Estradas de Portugal, as empresas gestoras da rede ferroviária e da rede rodoviária, respetivamente. Sobre o assunto, explicou o Ministro da Economia, Pires de Lima, que

«A racionalidade desse projeto é bastante óbvia, tanto do ponto de vista estratégico – ter uma entidade que congregue a gestão desses dois tipos de infraestruturas, seguindo bons exemplos de modelos internacionais que existem em países com desafios e escalas semelhantes a Portugal, países bem desenvolvidos, por sinal –, e tem, obviamente, impactos importantes do ponto de vista da racionalidade económica».

Talvez por ser “tão óbvia”, o ministro deve ter achado que não era preciso explicar em concreto aos portugueses as respetivas vantagens. Estranha-se também que o ministro agora ache “bastante óbvia” a medida, quando há apenas duas semanas, quando foi questionado sobre as vantagens da fusão das duas empresas, não soube responder, limitando-se a dizer que a ideia era interessante e estava a ser “profundamente” estudada, e que «enquanto não for tomada nenhuma decisão não me compete estar a entrar em maiores detalhes».

É pena, tomada a decisão, também ontem não ficámos a conhecer mais “detalhes”, nem “maiores”, nem menores.

As vantagens serão “óbvias” porque se trata de duas empresas gestoras de infraestruturas? Porque não então juntar à “festa” também as empresas gestoras das infraestruturas portuárias, aeroportuárias e de metropolitano? E, já agora, empresas gestoras de outras infraestruturas?

E que países "bem desenvolvidos" são esses que fundiram as empresas gestoras das redes rodoviária e ferroviária? Se olharmos para a União Europeia (o Secretário de Estado dos Transportes falava há dias de “modelos europeus”), Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Bélgica, Áustria, Holanda e Dinamarca, por exemplo, têm empresas autónomas gestoras da rede ferroviária. De que países fala o ministro?

Faria sentido uma fusão da CP com a REFER, se a União Europeia a permitisse (isso sim, tem vindo a ser cada vez mais defendido em países desenvolvidos da Europa, onde é dada outra importância à ferrovia). Uma fusão da REFER com a Estradas de Portugal parece-me disparatada (e perigosa num país como Portugal, por ser de temer uma secundarização ainda maior da ferrovia face à rodovia).

Admito que me consigam convencer do contrário. Mas o que não é aceitável é que decisões desta importância sejam tomadas sem uma explicação mínima, sem que sejam tornados públicos os estudos em que se baseiam (se é que existem), sem que sejam minimamente discutidas, não bastando ao ministro responsável vir dizer que são “bastante óbvias”.

Por enquanto, aquilo que conseguimos apreender como “óbvio” é que virá aí mais um corte, com mais despedimentos à vista, que contribuirão para uma ainda maior degradação da qualidade do serviço público prestado por estas empresas. Estou, claro, a falar dos 50 milhões de euros que o Governo diz que vão ser poupados com esta medida, a única vantagem que foi concretamente referida pelo ministro (mas ignorando os problemas e custos associados, imediatos e a médio e longo prazo, porque esses nunca são tidos em conta).

Este Governo tem andado a brincar às fusões e às reestruturações. A REFER acaba de sair de uma reestruturação! Essa reestruturação fez-se para quê? Para agora se destruir e se fazer outra? Cada restruturação causa enormes perturbações nos serviços durante muito tempo e tem custos avultados, que nunca são tornados públicos (e "vantagens" que, no final, ninguém descortina). Pelo meio, vai-se despedindo gente e degradando serviços públicos essenciais do Estado.
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