28.2.14

PPP ruinosas contratadas pelos municípios

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O Tribunal de Contas publicou ontem os resultados da auditoria realizada aos contratos de PPP celebrados por vários municípios tendo por objeto a concessão do fornecimento de água. A auditoria revelou, na maior parte dos casos, a existência de contratos ruinosos para o erário público, em que, na prática, o município assume o risco do negócio, ou grande parte dele, quando esse risco devia ter sido transferido para a empresa privada concessionária.

Estamos, portanto, perante a mesma pouca-vergonha que caracterizou muitas PPP celebradas pelo Estado. Como é sabido, os partidos do Governo (especialmente o PSD) têm sempre tentado desmarcar-se deste tipo de negócio, como se não tivessem nada a ver com o assunto. Sucede que, como apurou o Pombal do Marquês, a grande maioria destes contratos de concessão ruinosos para o erário público detetados na auditoria (de um universo de 27 concessões) foram celebrados por autarquias governadas pelo PSD. E um dos contratos foi celebrado, imagine-se, já em 2011 (!), pela Câmara Municipal do Fundão (PSD).

Outros dos municípios visados: Trancoso (1997, PSD), Marco (2004, CDS), Barcelos (2004, PSD), Carrazeda de Ansiães (2001, PSD), Matosinhos (2007, PS), Gondomar (2001, PSD), Ourém (1996 e 20o5, PSD), Santo Tirso (1998, PS), Paços de Ferreira (2004, PSD), Paredes (2001, PSD), Campo Maior (2007, PS), Santa Maria da Feira (1996, PSD), Setúbal (1997, PS) e Valongo (2000, PSD).

Sobretudo para quem é munícipe de algum destes concelhos, eis algumas das conclusões do relatório da auditoria do Tribunal de Contas, cuja leitura se recomenda (disponível aqui):
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- De acordo com as boas práticas e os princípios de partilha de risco de uma PPP/concessão, o risco de insustentabilidade financeira de uma PPP resultante de riscos de mercado, riscos de procura, riscos financeiros, riscos de construção e de exploração deve ser, tanto quanto possível, transferido para o parceiro privado, o que, de facto, não se verificou em quase todos contratos de PPP/concessão analisados, como foi o caso das concessões de Barcelos, do Fundão, de Valongo, de Paços de Ferreira e de Santo Tirso/Trofa.

- Alguns contratos de concessão analisados, como foi o caso da concessão de Matosinhos, continuam a apresentar cláusulas de reequilíbrio financeiro que garantem às entidades gestoras a cobertura de riscos financeiros associados à alteração de spreads bancários, ou mesmo, à cobertura de riscos operacionais, em resultado de eventuais agravamentos de custos de manutenção. Estas situações desvirtuam, claramente, os princípios de partilha de riscos que devem estar subjacentes a um contrato de concessão.

- Cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água faturado e da estimativa de evolução do número de consumidores.

- Isto significa que estes contratos de concessão apresentam garantias de receitas mínimas para as entidades gestoras que se asseguram, na prática, por via dos processos de reequilíbrio financeiro, em resultado da ocorrência de falhas sistemáticas na previsão dos caudais consumidos e faturados, que, por regra, se têm situado entre 10% a 30% abaixo dos valores estimados no caso base. No caso das concessões de Barcelos, de Paços de Ferreira, de Paredes, de Carrazeda e de Marco de Canaveses os consumos efetivos estão abaixo do previsto em mais de 20%.

- As projeções adotadas quanto ao crescimento populacional, bem como as capitações estimadas, apresentam, em muitas destas concessões, um desfasamento substancial da realidade de muitos municípios. Estas estimativas foram fornecidas e aprovadas pelas entidades concedentes, sem que as mesmas fossem previamente auditadas ou postas em causa pelos próprios municípios, como se encontra explicado nas concessões de Barcelos e de Carrazeda de Ansiães.

- Constata-se, sistematicamente, falta de rigor e prudência quanto aos pressupostos técnicos e económicos adotados no âmbito da modelização financeira dos projetos em apreço, que acaba por beneficiar as concessionárias.

- As cláusulas contratuais relativas ao reequilíbrio financeiro revelaram-se demasiado abertas, não permitindo, em certos casos, identificar de forma clara e objetiva os eventos elegíveis para efeitos de reequilíbrio financeiro. Todas as alterações legislativas e regulamentares podem, na prática, independentemente da sua natureza e dos seus impactos, potenciar pedidos de reequilíbrio financeiro a favor das concessionárias. Neste sentido vide o contrato de concessão de Matosinhos.

- Por outro lado, constata-se que o investimento da responsabilidade das entidades gestoras, foi concretizado e dimensionado para dar cobertura a uma expetativa de crescimento populacional e de consumos que, na prática, também não existiram. A este propósito, vide a concessão de Barcelos.

- Na generalidade dos contratos de concessão não existiram evidências de qualquer preocupação, por parte dos municípios concedentes, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados à evolução de eventuais cenários adversos das concessões.

- Esta posição é bem evidente nas situações em que as entidades concedentes procederam à modificação unilateral da trajetória tarifária constante do caso base, cujo impacto imediato resultou no avolumar das compensações financeiras a pagar às concessionárias. Trata-se inter alia do caso das concessões de Barcelos e de Carrazeda de Ansiães.

- Por sistema, a figura do reequilíbrio financeiro nunca funcionou em benefício dos municípios concedentes ou dos respetivos utilizadores, quando se verificaram situações suscetíveis de gerar rendimentos líquidos superiores aos previstos no caso base para as entidades gestoras.

- Em 99% dos processos de reequilíbrio económico-financeiro dos contratos de concessão analisados, as respetivas reposições foram realizadas através do recurso às modalidades de alteração do prazo das concessões, eliminação/redução das retribuições a pagar aos municípios concedentes, alteração dos tarifários ou qualquer combinação de algumas modalidades anteriores.
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