6.9.13

Autárquicas II: Decisão sobre a questão da limitação de mandatos

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O Tribunal Constitucional – o tribunal de recurso em matéria eleitoral – decidiu definitivamente a questão da limitação de mandatos, no sentido de que os candidatos que tenham cumprido três mandatos sucessivos numa determinada autarquia se podem candidatar, no quadriénio seguinte, numa outra autarquia (decisão que beneficia diversos candidatos do PSD, do CDS e da CDU que pretendem “saltar” de uma autarquia para outra, perpetuando-se no poder).

É pena este desfecho, porque a melhor solução seria a de que a inelegibilidade abrangesse toda e qualquer autarquia. O problema está, contudo, na lei aprovada pelo Parlamento em 2005 e não nesta decisão do Tribunal Constitucional. Intencionalmente ou por incompetência dos deputados que a aprovaram, a lei não é inequívoca, nem na letra, nem no seu sentido possível (como se demonstra no acórdão), e, na dúvida, deve prevalecer o sentido menos restritivo, como entendeu o TC, num acórdão de que se transcreve abaixo um excerto da parte decisiva da fundamentação.

Claro que candidatos como Luís Filipe Menezes ou Fernando Seara, na hora das suas previsíveis derrotas (para bem de Porto e Lisboa), não deixarão de invocar, como desculpa, a indefinição sobre a legitimidade das suas candidaturas até três semanas antes do ato eleitoral (designado para dia 29 deste mês). Mas só se poderão queixar do seu próprio partido (PSD), que nestes oito anos nunca promoveu, na Assembleia da República, um processo legislativo com vista à clarificação da lei…   


Excerto do acórdão :

«(…) Resulta do confronto entre os diferentes argumentos formais (decorrentes dos elementos literal e da localização sistemática do preceito) e materiais (decorrentes da história, da teleologia e da integração do preceito no sistema jurídico) e da sua apreciação conjunta que não se pode imputar à Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, com segurança, um sentido unívoco; o respetivo «pensamento legislativo» não é claro, uma vez que não pode afirmar-se, sem dúvida, qual é a «vontade da lei» no tocante à amplitude das inelegibilidades que a mesma consagra. De resto, o debate doutrinal e político, tanto na comunicação social, como em revistas jurídicas especializadas, a divisão no seio da Comissão Nacional de Eleições, nomeadamente refletida na sua Ata n.º 62/XIV, e a existência de múltiplas decisões judiciais contraditórias entre si – aspetos referidos pelas partes no presente processo e, outrossim, na decisão recorrida - são espelho disso mesmo.

Na ausência de uma intervenção clarificadora por parte da Assembleia da República, terá de ser o Tribunal Constitucional a fixar o sentido interpretativo das normas da Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto (sobre esta questão e os princípios a observar na resposta à mesma, cfr. Paulo Otero, Parecer cit., p. 24 e ss., e “Da limitação à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes de órgãos executivos autárquicos”, cit., pp. 101 e ss.).

Para o efeito, não poderá o Tribunal deixar de ter em atenção, em primeiro lugar, que a capacidade eleitoral passiva dos candidatos a presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais assume a natureza de um direito fundamental, com uma tripla dimensão: é um direito de acesso a um cargo público eletivo, é expressão de um direito de participação na vida pública e é também a dimensão passiva do direito ao sufrágio (cfr. supra o n.º 6). Assim, correspondendo os limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais à restrição desse direito fundamental, em caso de dúvida, entre as várias interpretações possíveis, deve optar-se por aquela que seja menos restritiva do mesmo direito fundamental: a de que os presidentes de câmara municipal e os presidentes de junta de freguesia que tenham cumprido três mandatos sucessivos numa determinada autarquia não se poderão candidatar, no quadriénio seguinte, para exercerem tais funções nessa mesma autarquia, não estando, no entanto, impedidos de se candidatar a qualquer outra autarquia. (…)

A mesma solução interpretativa é alcançada se se fizer aplicação do princípio da máxima efetividade interpretativa das normas que envolvam direitos fundamentais, segundo o qual, na hipótese de existir uma dúvida quanto ao exato sentido interpretativo das normas referentes a direitos fundamentais, o intérprete ou o aplicador da norma encontra-se vinculado a conferir-lhes a máxima efetividade interpretativa (cfr., Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., 2003, Coimbra, Almedina, p. 1224). Assim, perante dois sentidos possíveis de uma norma restritiva de direitos fundamentais em que se suscitem dúvidas quanto ao âmbito da restrição em causa, deverá optar-se pela solução interpretativa que, limitando o âmbito de incidência da restrição, amplie o direito em causa. No caso concreto, existindo dúvidas sobre a interpretação do artigo 1.º da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, quanto a saber se a inelegibilidade aí prevista impede os presidentes de câmara municipal e os presidentes de junta de freguesia que tenham cumprido três mandatos sucessivos numa determinada autarquia de se  candidatarem, no quadriénio seguinte, para exercerem tais funções nessa mesma autarquia ou em toda e qualquer autarquia, deverá optar-se pela solução interpretativa que, restringindo o alcance ou âmbito da limitação do direito. O que leva a que tal inelegibilidade abranja apenas a autarquia local em que tenham sido cumpridos os três mandatos consecutivos.

É também para esta solução interpretativa que aponta o princípio in dubio pro libertate, por força do qual os direitos deverão prevalecer sobre as restrições (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 5.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 421). Assim, entre duas soluções interpretativas possíveis de um texto legal, deve sempre optar-se pela solução que mais favoreça a liberdade, que melhor garanta, reforce ou faça prevalecer as posições jurídicas subjetivas ou os direitos fundamentais. No caso aqui em análise do «direito de sufrágio passivo» - um direito, liberdade e garantia de participação política (cfr. supra o n.º 6) -, esta interpretação «amiga da liberdade» é também uma interpretação que confia na capacidade de escolha dos eleitores sem excessivas “tutelas” em nome da “correção” das escolhas que estes venham a realizar (…)».
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