3.9.13

A aldrabice institucionalizada

_
A Ministra da Justiça destaca-se entre os seus colegas de Governo fundamentalmente pelo especial afinco com que insiste em querer tomar-nos a todos por parvos, pretendendo convencer-nos de que anda a fazer “profundas reformas” na área da justiça.

Ontem foi publicado, em vários jornais, um anúncio de página inteira, pago com o dinheiro de todos nós,

(para certas coisas – leia-se, propaganda –, o Governo não olha a gastos, para outras – sobretudo aquelas que afetam a vida dos cidadãos – a hora é de “forte contenção”)

que constitui um notável chorrilho de aldrabices.

O assunto era o “novo” Código de Processo Civil, que entrou em vigor anteontem. O diploma é, no anúncio, apresentado

(é difícil conter o riso quando se escreve isto)

como «[a] mais profunda reforma efetuada nas últimas décadas na área da Justiça». A pseudorreforma acabada de entrar em vigor, sob o pomposo nome de “novo Código de Processo Civil”, não passa, no entanto, de um mero conjunto de alterações ao Código que estava em vigor e que não alteraram o paradigma do processo civil. Verdadeira reforma do Código de Processo Civil foi feita em 1995/96, e nessa altura não se chegou ao ponto de lhe chamar um novo Código de Processo Civil.

Para se ter uma ideia da intrujice com que se fala na «mais profunda reforma efetuada nas últimas décadas na área da justiça», diga-se que cerca de 900 dos 1085 artigos do Código que agora entrou em vigor não tiveram qualquer alteração e apenas mudaram de número (por exemplo, o artigo 479.º passou a ser o artigo 562.º, sendo o conteúdo exatamente o mesmo) e muitos outros artigos tiveram apenas alterações pequenas ou inócuas. As alterações com significado (nem sempre positivas, algumas muito negativas) não constituem a reforma do processo civil que a ministra apregoou, mas que não teve competência e/ou coragem para fazer.

A mentira descarada está ainda presente no resto do anúncio, como por exemplo quando se diz que os juízes «passaram a ter prazos para a prática dos atos (art.º 156), o que nunca sucedeu no passado»,

(os juízes já tinham prazos para a prática dos seus atos: artigo 160.º do Código revogado)

quando se diz, como se fosse coisa nova, que «as testemunhas têm  direito ao pagamento das despesas pelas suas deslocações a tribunal (art.º 525.º)»

(as testemunhas já tinham esse direito: artigo 644.º do anterior Código, exatamente igual ao artigo 525.º do novo Código)

ou quando se diz, como se constituísse uma suprema novidade, que «as testemunhas podem ser inquiridas por videoconferência, sem necessidade de deslocação»

(há muitos anos que as testemunhas podem ser inquiridas por videoconferência: artigo 623.º do anterior Código, que agora é o artigo 502.º, rigorosamente igual àquele).

Esta ministra – seguramente o pior titular da pasta da justiça que este país já teve em democracia – não tem a mínima dignidade para exercer o cargo que ocupa. Mas por lá continuará, e a vangloriar-se, com a arrogância titânica que a caracteriza, de que ninguém até hoje fez mais reformas do que ela. E haverá sempre quem vá na conversa.
SPACE

Sem comentários:

Enviar um comentário