28.5.13

Linha do Oeste: a boa notícia e a incompetência que ela revela

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A boa notícia é que o Governo recuou na decisão de encerrar o troço da Linha do Oeste entre Caldas da Rainha, Leiria e Figueira da Foz. A má notícia é que o processo que culminou neste recuo revela, mais uma vez, a triste leviandade com que se tem decidido o encerramento de linhas férreas em Portugal.

A Linha do Oeste, entre o Cacém e a Figueira da Foz (com ligação a Lisboa pela Linha de Sintra e à Linha do Norte através do Ramal de Alfarelos), é uma das maiores linhas férreas portuguesas. É uma linha de litoral, atravessa zonas populosas e podia ter uma grande procura. Foi, no entanto, mais uma das linhas sacrificadas pelo desinvestimento no transporte ferroviário e pela aposta quase exclusiva nas estradas e nas autoestradas, em contraciclo com a Europa, iniciada nos governos chefiados por Cavaco Silva e prosseguida pelos governos seguintes: carece de modernização, de eletrificação e de correção de traçado em alguns locais, que a transforme numa linha férrea do século XXI. À degradação da linha juntou-se uma má gestão por parte da CP, nomeadamente em termos de horários e de ligações.

(Meses atrás, o autor de um mestrado sobre a Linha do Oeste comentava que «no serviço de passageiros parece que as coisas são feitas para não funcionar»)

Sem surpresa, os passageiros foram diminuindo.

Em 2011, o atual Governo decidiu encerrar a linha entre Caldas da Rainha, Leiria e Figueira da Foz ao tráfego de passageiros, com fundamento na sua reduzida procura.

Decidido o encerramento, a Câmara Municipal das Caldas da Rainha resolveu, de imediato, encomendar um estudo a um técnico caldense, especialista em questões ferroviárias. O estudo (para a realização do qual o técnico teve grande dificuldade em obter elementos da CP) concluiu que há décadas que a CP tem uma oferta de transporte desajustada da procura, de que um dos exemplos mais flagrantes é, atualmente, a existência de um único comboio direto diário para Coimbra. Uma simples reformulação das ligações e dos horários (por exemplo, privilegiando as ligações a Coimbra e não à Figueira da Foz) permitiria aumentar a procura.

O Secretário do Estado dos Transportes afirmou há dias que o recuo na decisão de encerramento se deveu essencialmente a esse estudo. E ontem foi anunciada uma “revolução” na oferta na Linha do Oeste a partir de Julho, com alteração de horários e de ligações. Ao fim de décadas, a CP “descobriu”, por exemplo, que na época balnear pode potenciar a ligação, que demora pouco mais de cinco minutos, entre a cidade das Caldas e a muito concorrida praia de São Martinho do Porto, sendo que em São Martinho a estação fica a uns 100 metros da praia. Eureka!

O normal, num país normal, seria que não se decidisse encerrar uma linha férrea sem antes se realizar um estudo sobre a sua viabilidade. Não é, no entanto, isso que se faz em Portugal: constata-se que uma linha férrea tem fraca procura e pura e simplesmente decide-se encerrá-la com essa justificação. É assim desde os governos de Cavaco Silva, o primeiro coveiro da ferrovia portuguesa. Neste caso, se não tivesse sido a iniciativa da Câmara Municipal das Caldas de encomendar e pagar um estudo de viabilidade, a Linha do Oeste teria sido encerrada em Janeiro de 2012, como estava previsto no Plano Estratégico de Transportes aprovado pelo Governo…

Mas o caso da Linha do Oeste é ainda mais grave: é que há quatro anos a CP gastou centenas de milhares de euros num estudo suíço

(a Suíça tem a ferrovia mais bem sucedida do mundo)

que recomendou uma remodelação geral dos horários dos comboios em Portugal e incluía, designadamente, uma reformulação da oferta na Linha do Oeste. Tal como foi noticiado, a CP chegou a prever reformular os horários de acordo com esse estudo, mas não o fez e, quatro anos volvidos, esse estudo deve estar nalguma estante a ganhar pó.


Por concretizar continua a modernização da Linha do Oeste (sem a qual não se poderá esperar milagres, face à concorrência da autoestrada), que foi anunciada há vários anos. Os respetivos estudos também deverão ter sido metidos nalguma prateleira. Entretanto, acabaram de se fazer obras de alargamento na autoestrada A8…
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Fotografia: © Jornal Região de Leiria

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