9.9.12

Autarcas com automóveis no cérebro

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Vivemos num país onde muitos autarcas parecem ter automóveis no cérebro. Oeiras e Cascais são dois dos muitos municípios que, em plena segunda década do século XXI, continuam, contra a corrente europeia, a desprezar olimpicamente os modos suaves de deslocação (e os seus utilizadores) e a privilegiar o uso do automóvel particular, mesmo contra todas as regras de bom senso. Os autarcas cascalenses orgulham-se de ter aderido ao Pacto de Autarcas Europeus (assumindo o compromisso de reduzir em pelo menos 20% as emissões de CO2 até 2020) e, no caso de Oeiras, Isaltino Morais até ganhou fama de “autarca verde”. Mas, no domínio da mobilidade, a atuação dos dois municípios tem sido, ao longo dos anos, uma lástima – para não dizer pior.
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A recentíssima obra de requalificação da Escola Secundária Quinta do Marquês (Oeiras) é disso exemplo. A escola situa-se no extremo do concelho de Oeiras, na fronteira com o concelho de Cascais, e, embora a obra seja da responsabilidade da Parque Escolar, teve inevitavelmente a intervenção das duas autarquias, pelo menos ao nível da aprovação do projeto e dos arranjos dos arruamentos confinantes, situados nos territórios dos dois concelhos.
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Delimitado a azul: a escola secundária.
A verde: fronteira entre os concelhos de Oeiras (para baixo) e de Cascais.
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Eis o que a obra de requalificação da escola nos trouxe:
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1 - Ainda antes do início da obra, e por causa dela, foi encerrado um caminho público pedonal que constituía um importante atalho (o único existente) utilizado diariamente por muitas pessoas que optam por se deslocar a pé em vez de o fazerem de carro, nomeadamente de e para a estação de comboios.
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A verde: o caminho público pedonal encerrado durante as obras.
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Puseram-se uns portões nas duas extremidades do caminho público - e os peões perderam o acesso.
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Motivo do encerramento: o caminho passou a constituir acesso exclusivo dos trabalhadores da obra aos monoblocos de apoio à obra instalados ao lado do caminho. Podia ter sido delineada uma outra solução que não penalizasse os peões - não fossem os peões de Oeiras e de Cascais filhos de um deus menor.
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Num dos portões foi colocado um aviso com a indicação de que aquele acesso pedonal permaneceria fechado durante 18 meses. Passaram dezoito meses e mais alguns depois desses, mas o acesso continua encerrado: as pessoas que deem a volta ou então… que se desloquem de carro.SPACE
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2 - A escola secundária requalificada tem uma nova entrada. Antes, a entrada fazia-se pela Rua das Escolas (concelho de Oeiras).
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A antiga entrada da escola.
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Após a requalificação, a entrada passou a fazer-se pela Rua Ilha Terceira (concelho de Cascais).
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Seta branca: antiga entrada, pela Rua das Escolas (Oeiras).
Seta vermelha: a nova entrada, pela Rua Ilha Terceira (Cascais).
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Não deixa se ser uma solução “brilhante” que a entrada de uma escola de Oeiras se faça por um arruamento de outro concelho, com tudo o que isso implica em termos de gestão e de planeamento.
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Não é fácil entender porque é que se mudou a entrada da escola. A esmagadora maioria dos seus (mais de mil) alunos vêm de Oeiras, pelo que a entrada antiga constituía melhor acesso – e um acesso indiscutivelmente melhor para as centenas de crianças que vêm para a escola a pé e que agora têm de fazer um percurso maior. Mas, claro, os autarcas não pensam muito nesses seres estranhos que insistem em optar por fazer as suas deslocações a pé: pensam sobretudo em quem se desloca de automóvel.
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3 - Em consequência desta insólita alteração, os automobilistas que optam por levar os filhos de carro à escola secundária entram agora com o carro num bairro residencial tranquilo (pertencente ao concelho de Cascais), que até aqui não tinha quaisquer problemas de trânsito e de poluição, e, às horas de entrada e de saída dos alunos (quatro períodos por dia), há três ruas desse bairro que entopem diariamente com engarrafamentos: pelas janelas das casas entram baforadas de cancro (está provado que a exposição às substâncias libertadas pela combustão do gasóleo constitui causa de cancro, como alertou muito recentemente a Organização Mundial de Saúde).
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A hora a que se começa a formar o primeiro engarrafamento matinal.
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Fila de carros, trânsito parado, motores a trabalhar e ar irrespirável, numa rua residencial.
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Mesmo fora desses quatro períodos diários, foi notório um acréscimo do tráfego automóvel nestas ruas residenciais, após a mudança da entrada da escola.
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Custa a perceber como é que os autarcas da Câmara Municipal de Cascais aceitaram uma alteração destas em prejuízo claro dos seus munícipes.
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Do ponto de vista da gestão do tráfego rodoviário, o resultado foi, aliás, desastroso: como o dito bairro não tem (felizmente!) saída rodoviária, os automobilistas que nele entram voltam a sair pelo mesmo lado e, portanto, a Rua das Escolas (onde se situava a antiga entrada da escola) continua a ter, àquelas horas de ponta, exatamente o mesmo trânsito caótico que tinha antes: a nova solução acrescentou trânsito caótico a mais três ruas. Brilhante!SP
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4 - Oeiras e Cascais são dois dos muitos municípios portugueses que continuam a ignorar a recomendação do Parlamento Europeu de que o limite máximo de velocidade nas zonas residenciais seja, na pior das hipóteses, de 30 km/h (com medidas de acalmia de tráfego destinadas a forçar os condutores a cumprir mesmo esse limite). Não tenhamos ilusões: não é de esperar que essa recomendação seja acatada nos próximos anos nestes dois concelhos.
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Mas se os senhores autarcas viajassem um pouco pelos países evoluídos da Europa, poderiam constatar rapidamente que hoje é básico:
- que nas imediações de uma escola o limite máximo de velocidade não deve nunca ultrapassar os 30 km/h;
- que não deve haver estacionamento automóvel em frente à entrada da escola;
- que junto à escola devem existir passadeiras para que o atravessamento da rua seja feito com maior segurança; e
- que essas passadeiras devem estar sobrelevadas ao nível do passeio.
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Nada disso foi feito aqui.
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Quanto a passadeiras, nem sobrelevadas, nem de nível: inacreditavelmente, não existe uma única passadeira em frente à escola!
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Seta azul: a entrada da escola
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Portanto, mudou-se a entrada da escola, mas esqueceu-se essa coisa tão básica que é pintar uma passadeira na faixa de rodagem. De forma que os alunos atravessam a rua onde calha (e são muitos os alunos que o fazem ao longo do dia, por exemplo para ir aos cafés ou restaurantes).
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Para piorar as coisas, existe estacionamento automóvel ao longo de quase toda a rua, de ambos os lados. Como não existe passadeira à frente da escola, os alunos acedem, por isso, à faixa de rodagem (para a atravessar) por entre os carros estacionados: a visibilidade, quer de condutores (sobre as crianças que vão iniciar o atravessamento), quer das crianças (sobre os carros que se aproximam) fica seriamente afetada. Isto num país onde o número de atropelamentos com vítimas graves dentro das localidades tem vindo a aumentar e onde há poucas semanas a PSP de Lisboa emitiu um alerta em consequência do aumento do número de atropelamentos de crianças que surgem a atravessar a rua por entre carros estacionados.
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Para completar este cenário absurdo, o estacionamento automóvel nem sequer foi proibido à frente da zona de entrada da escola!
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Ver também a imagem anterior a esta.
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Nada, também, de limite de 30 km/h: não existe nenhum limite de velocidade específico na rua onde se situa a nova entrada da escola (Rua Ilha Terceira), pelo que vigora o limite máximo de velocidade de 50 km/h. E pasme-se: nesta rua nem sequer houve o cuidado básico de colocar um sinal de perigo a alertar os condutores para a proximidade de uma escola, que os obrigue, consequentemente, a circular com «velocidade especialmente moderada» (artigo 25.º do Código da Estrada)!
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Como é que se faz uma obra destas sem se pensar minimamente nestas questões básicas de segurança?!
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(CLIQUE AQUI PARA LER A SEGUNDA PARTE)

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