12.12.11

A falácia da insustentabilidade de alguns serviços públicos. O caso da CP

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Quase não há semana que passe sem que um secretário de Estado ou um ministro venham dizer que determinado serviço público é insustentável, apontando para a grande dívida acumulada por esse serviço. Em muitos casos, isso não passa, porém, de uma enorme falácia. E os mesmos erros do passado continuam a ser cometidos. Não se deixe enganar.
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Foram várias as comissões (perdão, “grupos de trabalho”) que o actual Governo nomeou, e cujo trabalho consiste em proporem “reformas” em vários sectores do Estado.
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O trabalho destas comissões é, na realidade, o de definir cortes nos serviços públicos, e o objectivo é apenas o de reduzir a despesa do Estado.
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“Reformas” orientadas apenas pelo objectivo de reduzir custos e, ainda para mais, feitas à pressa, dificilmente têm resultados brilhantes.
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Não surpreende, por isso, que as notícias vão dando conta de coisas tão absurdas como, por exemplo, ser discutido o fecho do metro de Lisboa a partir das 21 horas em estações que servem bairros muito populosos como Lumiar, Pontinha ou Carnide e o fecho de toda a rede no metro de Lisboa e do Porto a partir das 23 horas.
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À medida que as notícias vão sendo divulgadas, os ministros e os secretários de Estado vão-se desfazendo em declarações, quer negando que vão executar determinada proposta de um grupo de trabalho, quer, sobretudo, justificando os cortes propostos com a "insustentabilidade" dos serviços públicos em causa: quase não há semana que passe sem que um secretário de Estado ou um ministro venham dizer que determinado serviço público é insustentável, apontando para a grande dívida acumulada por esse serviço.
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Em muitos casos, isso não passa, porém, de uma enorme falácia. O que sucede é que durante muitos anos os sucessivos governos foram praticando uma política de desorça (ou “desorçamentação”, como lhe chamam) em inúmeros sectores do Estado, desde a Cultura à Saúde, passando pela Educação e pelos Transportes, deixando o custeamento de muitos serviços públicos, total ou parcialmente, fora do orçamento de Estado. Vários organismos, empresas ou institutos públicos foram, em consequência disso, sendo incentivados pelo Estado a contrair sucessivos empréstimos bancários para sustentarem a sua actividade (e em grande parte deles, aliás, o Estado prestou aval).
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O resultado desta política irresponsável foi a acumulação de dívida por parte desses organismos, empresas e institutos em valores tão elevados que muitos estão hoje em situação de falência ou de pré-falência.
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Isso não significa que os correspondentes serviços públicos seja insustentáveis, nem tão-pouco que introduzindo cortes nesses serviços se vai resolver algum problema de fundo – que é precisamente aquilo que uma reforma digna desse nome deveria visar.
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O exemplo do Metro do Porto é paradigmático. A empresa do Metro do Porto está praticamente em situação de falência, apesar de ter tão poucos anos de vida. E, no entanto, é uma empresa cujos prejuízos de exploração são reduzidos. O que sucede é que as avultadíssimas despesas de construção das linhas de metro – isto é, as despesas com a própria infra-estrutura -, que deviam ter sido pagas através do Orçamento de Estado, foram, na sua maior parte, suportadas por meio de empréstimos bancários contraídos por aquela empresa. Resultado: a empresa está hoje profundamente endividada e com encargos anuais de juros bancários muito elevados. Perante isto, discutir a diminuição da oferta do metro do Porto, o encerramento do serviço a partir das 23 horas ou o despedimento de pessoal (que pode pôr em causa a qualidade do serviço, afastar clientes e contribuir para agravar os prejuízos) é um absurdo, porque não resolve minimamente o problema de fundo.
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Outro exemplo é o da CP. Foi já decidido o encerramento de muitas centenas de quilómetros de linhas férreas, e, de acordo com as propostas do respectivo “grupo de trabalho”, pretende-se ainda reduzir de forma significativa a oferta (e, portanto, a qualidade do serviço) nas zonas urbanas, bem como despedir trabalhadores, tudo com base na mesma justificação da “insustentabilidade” financeira.
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A CP é, de facto, outra empresa em situação de falência, com um passivo superior a três mil milhões de euros e avultados prejuízos anuais que vão agravando a sua situação financeira. No entanto, trata-se de mais uma empresa pública vítima da política de desorça seguida pelos sucessivos governos, que a levou a contrair inúmeros empréstimos bancários para a aquisição de comboios e para sustentar a sua actividade. A esmagadora maioria dos prejuízos actuais da CP são decorrentes do pagamento de juros bancários relativos a todos esses empréstimos. E esse é um facto que se insiste em ocultar. Em 2010, por exemplo, os encargos com juros bancários equivaleram a praticamente 90% do prejuízo anual da empresa. Ou seja, mesmo que os comboios parassem em todo o país a partir de 1 de Janeiro, a CP voltaria a ter valores semelhantes de prejuízo em 2012, porque continuaria a ter de suportar o pagamento dos juros dos empréstimos contraídos – tal como continuaria a ter a gigantesca dívida que presentemente sufoca a empresa.
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Não é, pois, difícil perceber que cortar em serviços de transporte ferroviário ou despedir trabalhadores não vai resolver o problema de fundo (curiosamente, na Europa, a CP é a empresa pública de transporte ferroviário que tem menos trabalhadores por passageiros transportados).
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Estamos a falar de empresas que prestam serviço público. No caso da CP, a empresa está obrigada a fornecer o serviço de transporte ferroviário em zonas onde a exploração é naturalmente deficitária. Tal como levar a electricidade a determinadas zonas do interior custa dinheiro ao erário público, levar o transporte público a muitas populações dá, naturalmente, "prejuízo". Esse prejuízo estende-se, de resto, às zonas de Lisboa e do Porto, graças a uma política de incentivo da utilização do transporte público traduzida na fixação de preços máximos de bilhetes e, sobretudo, de passes (erradamente chamados “passes sociais”). A contrapartida de tudo isto é, em Portugal como no resto da Europa, a obrigação de o Estado pagar à transportadora uma indemnização compensatória anual, destinada a cobrir os prejuízos de exploração do serviço público, mediante a inscrição da correspondente verba no Orçamento de Estado. Mas essa obrigação não tem sido cumprida. O que tem sucedido é que as indemnizações compensatórias entregues anualmente pelo Estado têm sido muito baixas, cobrindo apenas uma pequena parte dos encargos do serviço público que o Estado obriga a prestar.
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Quando a “solução” encontrada é cortar no serviço público, isso tem vários efeitos perniciosos, para além do próprio serviço público que deixa de ser prestado e que constitui uma obrigação do Estado: o corte na despesa, apesar de não resolver o problema de fundo, permitiria, à primeira vista, reduzir ligeiramente (muito ligeiramente) os prejuízos de exploração da CP. Mas também acarreta perda de utentes e, consequentemente, perda de receita, mesmo nos serviços que actualmente dão lucro (as linhas “alimentam-se” umas às outras, pelo que quando se corta um serviço ou se diminui a oferta, outras linhas são também afectadas). E significa, obviamente, um aumento da utilização do automóvel particular (para quem o tenha, claro), em última análise bastante ruinosa para os cofres do Estado. Quando se fala na redução de custos, essa redução pode ser apenas aparente.
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Foram há dias reveladas as indemnizações compensatórias que vão ser atribuídas pelo Estado em 2012. Mantêm-se os erros do passado: os valores continuam a ser muito baixos. Consequência: em 2012, a CP vai ter de pedir novamente dinheiro emprestado para custear a sua actividade. Vai, portanto, endividar-se ainda mais. O problema vai agravar-se.
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É extraordinária a facilidade com que nos três partidos que nos têm governado nos últimos 25 anos se lavam as consciências, se procede como se tudo isto fosse uma ficção e se continuam a cometer os mesmos erros, ano após ano.
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