Tive um bebé na Unidade de Neonatologia
durante quase um mês após o nascimento. Eu vivia a cerca de 20km da maternidade
e todos os dias ia com a mãe passar o dia na Unidade de Neonatologia. Ida e
volta, eram 40km por dia. Com o cansaço, a preocupação e a tensão acumulados,
aquelas viagens diárias pareciam intermináveis e eram particularmente penosas.
No Alentejo, conheci uma mulher
que teve um bebé prematuro e de muito baixo peso. O bebé teve de ficar (se a memória não me falha) três meses na incubadora. A única Unidade de Cuidados
Intensivos Neonatais (UCIN) em todo o Alentejo ficava em Évora. Todos os dias,
aquela mãe (que tinha mais dois filhos pequenos) fez viagens de muitas dezenas
de quilómetros em cada sentido para poder acompanhar diariamente o seu bebé. O
que só foi possível com a solidariedade local na vila onde vivia e a preciosa
ajuda dos bombeiros locais, que a transportavam. Quando conheci a mulher, essa
fase da incubadora já tinha passado e o bebé já estava em casa. Mas quando
falava nessas viagens os seus olhos ainda ficavam molhados.
De acordo com a proposta da
nova rede nacional de referenciação materna e da criança (datada do início de 2015, mas só agora em consulta pública), propõe-se agora encerrar
a UCIN de Évora (o Hospital de Évora deixa de ser “hospital de apoio perinatal
diferenciado”, para passar a ser apenas “hospital de apoio perinatal”), o que,
a concretizar-se, tornaria o Alentejo na única região
do país sem unidades de cuidados intensivos neonatais(*). Não é por falta de
condições de funcionamento: a UCIN de Évora tem todas as condições para receber
os prematuros. A justificação para o fecho é o facto de nascerem menos de 3000
crianças por ano no Alentejo (2735 nascimentos em 2013(**)) e de haver uma
autoestrada para Lisboa.
Planeia-se transferir os bebés
para Lisboa. E os pais? Alguém se lembrou deles?
“Uma autoestrada para Lisboa”? Sim,
há uma autoestrada para Lisboa a partir de Évora, Estremoz ou Elvas. Mas e o
resto do Alentejo? Estamos a falar de todo o Alentejo. O que não faltam são povoações
no Alentejo que não são servidas por autoestrada e muitas ficam longe das
autoestradas e a uma distância-tempo de Lisboa muito considerável. Problema que
se estende até a povoações servidas por autoestrada: no caso de Estremoz, por
exemplo, se não se apanhar grandes engarrafamentos em Lisboa, são perto de quatro
horas ida e volta. Quatro horas! E isto, note-se, para quem tem carro...
É unânime, na comunidade médica
neonatal, o entendimento de que é muito importante para o bebé numa incubadora - pode ser mesmo um dos motores determinantes da sua sobrevivência - a presença dos
pais (cuja entrada é, por isso, permitida, sem restrições, 24h/dia, na
unidade de cuidados intensivos pré-natais). E isto sem esquecer a enorme importância
para um bebé prematuro do aleitamento com leite materno.
Por seu turno, para uma mãe e
para um pai, dificultar desta forma a possibilidade de estarem perto do seu
filho recém-nascido e em perigo de vida é desumano.
Esperemos que haja bom senso
por parte do Governo e que esta vergonhosa proposta de encerramento (à qual o Hospital de Évora declarou hoje opor-se) seja afastada.
(*) Nota: o mesmo problema já existe para todo o
interior da Região Centro (basicamente, a Beira Interior), que está dependente de Coimbra. Do interior salva-se o interior da Região Norte (Trás-os-Montes), que fica com apoio perinatal diferenciado.
(**) Os dados do INE indicam 5292 nascimentos em 2013, de mães residentes no Alentejo. Em 2015, o n.º de nascimentos aumentou para 5512.
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