3. O estudante que - como é seu
direito - não quer ser praxado não devia precisar de tomar nenhuma iniciativa
para que esse direito lhe seja reconhecido. Mas entre as dezenas de códigos de
praxe analisados, não passam de meia dúzia (ex. Faculdade de Medicina de Lisboa)
aqueles que se bastam com um simples “não” do estudante, para que o seu direito
seja respeitado. Todos os outros colocam entraves, maiores ou menores, ao
exercício do direito:
3.1. Num caso (Universidade do
Porto - Faculdade de Engenharia), ao estudante só é reconhecido esse direito
«após continuada recusa em obedecer aos preceitos da praxe» e em «submeter-se
às sanções contra ele decretadas».
3.2. Noutros casos, o estudante
só se liberta da praxe se entregar aos organismos de praxe uma declaração
escrita e assinada, normalmente segundo um modelo de texto redigido por esses
organismos (ex. Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Coimbra).
3.3. No caso da Escola Superior
de Saúde de Castelo Branco, a declaração-modelo que o estudante entrega (com o título
«declaração de auto-exclusão da tradição académica») tem de ser assinada por ele e também pelo «dux veteranorum».
3.4. Nalguns casos, exige-se
também a entrega, pelo estudante, de uma fotografia atualizada (ex. Instituto
Politécnico de Bragança).
3.5. Casos há também em que o
estudante, no documento que entrega, tem de expor os motivos pelos quais não se
quer sujeitar à praxe (ex. Instituto Politécnico de Castelo Branco).
3.6. Noutros casos, nem uma declaração
escrita é considerada suficiente: o estudante tem de apresentar um pedido (que
em algumas instituições de ensino tem de ser entregue a mais do que um órgão de
praxe), e os órgãos de praxe depois decidem deferir ou indeferir esse pedido - segundo
critérios que nunca são explicitados. É o que sucede, por exemplo, no Instituto
Politécnico do Cávado e Vale do Ave e na Universidade do Minho. No primeiro
caso, antes da decisão do seu pedido, o estudante é convocado para uma
«reunião» com o «Conselho de Veteranos», perante o qual deve «expor o seu caso
particular». Na Universidade do Minho, o código de praxe, “magnânimo”,
“dispensa” provisoriamente o estudante da praxe enquanto o seu pedido é “analisado”.
4. Chega-se ao ridículo de se
exigir ao estudante que tenha sempre em seu poder uma cópia da declaração “anti-praxe”. É o caso do Instituto Politécnico
de Bragança.
5. Alguns códigos de praxe
preveem o registo / arquivo / publicação / afixação pública dos nomes dos
estudantes que recusam aderir à praxe, por vezes em vários locais do campus
universitário (ex. Universidade do Minho, ESALD, Universidade da Madeira,
Instituto Politécnico de Castelo Branco). Inevitavelmente à revelia da Comissão
Nacional de Proteção de Dados.
6. Outros ameaçam ir mais
longe, mediante a publicação nos jornais universitários / afixação pública das
fotografias dos estudantes que não querem ser praxados, em vários locais do
campus universitário. É o caso da Universidade do Minho.
7. Ainda no caso da
Universidade do Minho, o código de praxe exige que, no prazo de 15 dias depois
da afixação pública da lista de estudantes que não quiseram ser praxados, os estudantes
visados se apresentem «perante o Conselho de Anciãos». Sem que se perceba para
que efeito. Muitos praxadores insistem em sujeitar à sua “autoridade”
até os estudantes que recusam a praxe. Um absurdo.
8. A ameaça de ostracização /
segregação do estudante que estiver a pensar ter a “ousadia” de não se submeter
à praxe surge bem patente em diversos códigos de praxe. No caso da Universidade
do Minho, diz-se mesmo que a afixação pública da fotografia do estudante em
vários locais tem como objetivo a «prevenção de tentativas futuras de integração»
desse estudante, e determina-se que os outros caloiros devem «diferenciar» esse
estudante «em relação aos demais». Acresce o uso recorrente de expressões como «fica
banido…» (ex. UBI, Escola Superior de Tecnologia de Castelo Branco), é-lhe «vedado
o acesso…» (ex. Instituto Politécnico da
Guarda, Instituto Politécnico de Setúbal), o objetor de praxe é aquele que «se
exclui», será «marginalizado pelos seus superiores hierárquicos», que «não lhe
poderão dirigir a palavra» (Instituto Politécnico de Viana do Castelo), «está a auto-excluir-se…» (Escola Superior de
Tecnologia e Gestão de Beja) ou fica «automaticamente excluído de toda e
qualquer tradição académica» (Universidade de Évora) ou será «automaticamente
excluído de toda a vida académica» (Escola Superior de Tecnologia e Gestão de
Beja).
9. Isto é complementado
por uma série de disposições que ameaçam com diversas “proibições” o estudante
que tem o atrevimento de não querer ser praxado. Há mesmo códigos de praxe que as
qualificam como «sanções» (ex. Instituto Politécnico de Bragança, Universidade
da Madeira), deixando clara a conotação negativa e a ideia de uma falta na
opção exercida pelo estudante. A ideia geral é esta: “podes furtar-te à praxe
se quiseres, mas pensa muito bem, porque, se o fizeres, sofres estas
consequências”. As listas de proibições estão presentes em muitos códigos de
praxe, entre elas se incluindo as seguintes (todas ilegais):
9.1. A proibição de ser sócio
de alguma associação de estudantes. Se o estudante já for sócio, perde essa
qualidade (ex. Instituto Politécnico de Bragança).
9.2. A proibição de participar
em quaisquer eventos, atividades ou festividades académicas, até ao final do
curso. Esta proibição genérica consta de muitos códigos de praxe (ex. Universidade
da Beira Interior).
9.3. A proibição de
participação em jantares de curso e outras atividades de convívio (ex.
Universidade do Algarve).
9.4. A proibição de usar a
pasta de finalista com as fitas quando terminar o curso (ex. Universidade Nova
de Lisboa - FCT).
9.5. A proibição de usar o anel
de curso (ex. Instituto Politécnico de Bragança).
9.6. A proibição de participar
na missa de bênção das pastas (ex. Universidade da Beira Interior).
9.7. A proibição de participar
na cerimónia de entrega dos diplomas de curso (ex. Instituto Politécnico de
Bragança).
9.8. A proibição de fazer parte
de grupos académicos (ex. Instituto Politécnico do Cávado e Vale do Ave).
9.9. A proibição de
participação no baile de gala (ex. ESALD).
9.10. A proibição de pertencer
a uma república (ex. Escola Superior de Tecnologia de Castelo Branco).
9.11. A proibição de
participação na Semana Académica (ex. Instituto Politécnico da Guarda).
9.12. A proibição de
participação na queima das fitas (ex. Instituto Politécnico de Castelo Branco).
9.13. A proibição de usar traje
académico. Esta proibição absurda consta de muitos códigos de praxe (ex.
Universidade do Porto). Chega-se a afirmar que o estudante que não aceita ser
praxado “não é digno” de trajar (ex. Universidade de Aveiro). O caso do ESALD é
peculiar: embora se reconheça que «todo o aluno de ensino superior tem o
direito de trajar, cabendo unicamente ao aluno essa opção» e que «um aluno,
mesmo sendo anti-praxe, poderá trajar», prescreve-se que o estudante
“anti-praxe” «não deve trajar» (mais uma vez, surge aqui a ideia de que não é
digno de o fazer). Para evitar os abusos dos códigos de praxe, a direção da
Escola Superior de Saúde de Viseu publicou um regulamento de praxe no qual
deixou claro que “nenhum estudante pode ser privado do fato académico”.
Imagem: do filme Praxis (tal como a anterior).
10. Alguns códigos de praxe estabelecem
sanções para os estudantes que desrespeitem as proibições decretadas, a aplicar
pelos órgãos de praxe (ex. Universidade da Madeira). O que resulta no absurdo
de os praxadores pretenderem sujeitar às regras e à “disciplina” impostas por organismos
de praxe um estudante que recusou a praxe.
Alguns códigos de praxe atribuem
aos restantes estudantes a função de polícias do estudante “anti-praxe”,
incumbindo-os de fazer respeitar as proibições decretadas (ex. Universidade do
Porto – Faculdade de Engenharia).
11. Com o objetivo de aumentar
a pressão sobre o estudante que ousa querer não ser praxado, há códigos de
praxe que rematam este sistema intimidatório com o carácter irrevogável da
decisão do estudante (ex. Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Coimbra). A
mensagem é clara: “pensa bem no que vais decidir, porque se decidires que não
queres ser praxado, perdes estes direitos todos e não poderás voltar atrás”. Estas
são, aliás, as palavras usadas no código de praxe da Escola Superior de Saúde
de Santarém: «[o estudante] não poderá voltar atrás com a sua decisão».
12. Para o estudante que,
pressionado ou não, aceita sujeitar-se à praxe, o direito de - com um simples
“não” - recusar participar em algumas atividades de praxe com as quais não
concorde - por exemplo, por achar que são ofensivas ou humilhantes - não é
respeitado. Os sistemas de praxe são absurdamente concebidos por forma a que o
estudante só possa aceitar ou recusar toda a praxe, em bloco. E parte-se do
princípio de que o estudante que se submete à praxe tem de acatar todas as
respetivas regras, tal como se encontram vertidas no código de praxe. A recusa
em sujeitar-se a determinada atividade de praxe é entendida como uma falta – muitas
vezes descrita como “falta grave” (ex. UTAD) – que conduz à aplicação de
sanções, nomeadamente por um “tribunal de praxe”, frequentemente de natureza
humilhadora (“é vital que o estudante seja punido, pois ofende o espírito
académico”, pode ler-se no código de praxe da Universidade de Aveiro). No
limite, se o estudante recusar comparecer perante o tribunal de praxe ou recusar
submeter-se às “sanções” decretadas (e, por ex., na Escola Superior de
Tecnologia de Castelo Branco prevê-se como sanção o «corte de cabelo» do
estudante “faltoso”), pode ser declarado unilateralmente – contra a sua vontade
– “anti-praxe” (ex. ESALD). A ostracização, a segregação, é, então, decretada
unilateralmente por quem diz mover-se pelo objetivo de “integrar” os novos estudantes,
por o estudante não ter aceitado submeter-se a atividades de praxe
com as quais não concordou.
Enquanto persistirem sistemas
de praxe que não se satisfazem com um simples “não” dito pelo estudante que não
quer ser praxado - ou do estudante que, tendo aderido à praxe, não quer
participar em determinada atividade de praxe; enquanto persistirem sistemas de
praxe que ameaçam o novo estudante com a ostracização caso ele decida não aderir à praxe; é uma falácia afirmar-se que o estudante é livre de não se sujeitar à praxe.
Entretanto, já era tempo de
atuar sobre estes códigos de praxe ilegais. Algumas instituições
de ensino superior (como a Escola Profissional de Lamego , o Instituto
Politécnico de Santarém e a Escola Superior de Saúde de Lisboa) optaram, elas
próprias, por publicar regulamentos de praxe, mas em termos muito insatisfatórios.
É imperioso que os novos alunos sejam devidamente esclarecidos, nomeadamente,
de que:
- Para que seja respeitado o
seu direito de não participar na praxe ou o seu direito de não participar em
determinada atividade de praxe, basta dizê-lo a quem quer que manifeste
intenção de o praxar. Basta um “não”. Ninguém tem de pedir autorização a
organismos de praxe para ser dispensado da praxe, nem tão-pouco de entregar a
esses organismos declarações escritas e assinadas manifestando a sua vontade de
não ser praxado. Independentemente do que disserem os códigos de praxe e os
praxadores.
- Ninguém é obrigado a
justificar a sua opção de não se submeter à praxe, ou a determinada atividade
da praxe, nem tão-pouco é obrigado a comparecer a reuniões ou a dar satisfações
a quaisquer organismos de praxe.
- As “proibições” do tipo das
acima referidas são ilegais. Nenhum aluno pode, pelo facto de recusar a praxe,
ser impedido de ser sócio de uma associação de estudantes, de participar nas
festividades e eventos académicos ao longo do curso - incluindo a semana
académica, a bênção das pastas e a cerimónia de entrega de diplomas -, de usar
anel de curso, pasta de finalista, traje, etc.
- As normas dos códigos de praxe que
estabelecem “deveres”, “sanções” ou quaisquer outras regras aplicáveis a quem
não se quer sujeitar à praxe são nulas e de nenhum efeito. Nenhum estudante
lhes deve obediência.
SPACE
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