26.11.13

Notas em torno do Orçamento de Estado para 2014

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No dia da aprovação de um orçamento que vai ser particularmente penoso para os portugueses em 2014 e que introduz cortes infames de salários e de pensões a partir de 600 / 700 euros brutos mensais, é bom que não nos esqueçamos de coisas como estas:

1 – Nas PPP não haverá cortes em 2014 (uns compromissos são mais sagrados do que outros), nem tão-pouco um imposto especial (já os cidadãos serão, como se sabe, novamente sobrecarregados com uma sobretaxa adicional de IRS). Pelo contrário, os encargos do Estado com as PPP vão subir para 1645 milhões de euros em 2014, um aumento face aos números apresentados pelo próprio Governo nos anos anteriores: no Orçamento de Estado para 2013, indicava-se como encargos para 2014 o valor de 1581 milhões de euros; no Orçamento de 2012, o valor indicado para 2014 era de 1425 milhões de euros (os números são os oficiais e podem ser consultados aqui). Aumentos são também esperados para os anos seguintes. O Orçamento de Estado para 2014 prevê agora encargos de 1554 milhões de euros com as PPP para 2015 (no Orçamento para 2013, o número era de 1268 milhões); para 2016, 1576 milhões (no Orçamento para 2013, o número era de 1309 milhões); para 2017, 1414 milhões (há um ano, previa-se 1259 milhões); e assim por diante. Todos os encargos com as PPP aparecem inflacionados até, imagine-se, 2026por comparação com os números anteriores.
A chamada “renegociação” das PPP é uma farsa. Excluído o cancelamento de algumas obras anteriormente contratadas, aquilo a que se chama “renegociação” consistiu essencialmente numa transferência de obrigações das empresas privadas para o Estado, designadamente no que se refere à manutenção da rede de estradas e autoestradas, não existindo aqui, na realidade, qualquer poupança de gastos para o Estado a médio prazo. No que se refere às obscenas taxas de remuneração e de juro anteriormente convencionadas, de que beneficiam as grandes empresas concessionárias, basicamente tudo continua na mesma.

2 – Já se sabia que Portugal é o país da Europa com o maior fosso de desigualdade entre ricos e pobres. Também já era sabido que até 2011 as medidas de austeridade tinham provocado uma perda de rendimento maior, em percentagem, nos mais pobres do que nos mais ricos. Suspeitava-se que depois de 2012 as novas medidas de austeridade tivessem agravado o fosso. Soube-se há dias que, tal como já tinha acontecido em 2012, em 2013, ano de profunda crise e de pobreza e miséria crescentes, voltou a aumentar o número de milionários em Portugal e a fortuna dos milionários portugueses cresceu 75 mil milhões de euros comparativamente com 2012 (um número curioso, porque equivale sensivelmente ao montante total do empréstimo da troica a Portugal).
Diz-se por aí, com demasiada frequência, que “todos somos afetados pela crise e pelos cortes”. Não, nem todos. Isso não passa de uma treta que nos querem impingir.    

3 – Um estudo recente da Comissão Europeia concluiu que se as empresas pagassem os impostos devidos no seu país de origem, cada cidadão pagaria, em média, menos dois mil euros de IRS por ano. Dezanove das vinte grandes empresas do PSI20 têm empresas de fachada sedeadas na Holanda e através desse estratagema fogem ao pagamento de impostos em Portugal (num relatório publicado há algumas semanas, uma organização não governamental holandesa estranhava o facto de o Governo português até hoje não ter questionado as autoridades fiscais holandesas sobre este assunto). Como “prémio”, os montantes de IRC que essas empresas ainda pagam em Portugal vão baixar ainda mais, graças à diminuição das taxas de IRC e à subtil alteração das regras de determinação do lucro tributável. Não tenhamos ilusões: a diminuição do IRC vai beneficiar sobretudo as grandes empresas; a esmagadora maioria das empresas não pagam IRC (três em cada quatro empresas) ou pagam uma parcela ínfima da coleta total de IRC.    
Também algumas semanas atrás soube-se que a economia paralela em Portugal terá voltado a crescer em 2012, para mais de 44 mil milhões de euros anuais, sendo que o Observatório de Economia e Gestão da Fraude aponta como uma das principais causas do aumento a falha no combate à grande evasão fiscal.

4 – Uma das grandes promessas deste Governo foi assentar a estratégia de redução do défice na diminuição dos gastos com os consumos intermédios do Estado (quem não se lembra das “gorduras do Estado”)? Em 2014, as despesas com os consumos intermédios vão ser cerca de 400 milhões de euros superiores às de 2012, e isto se não houver derrapagem.

5 – Desde a revelação do escândalo dos contratos “swap” especulativos celebrados por entidades públicas, vários juristas conceituados surgiram a defender publicamente a possibilidade de anulação deste tipo de contratos. Em várias decisões judiciais entretanto proferidas, os tribunais decidiram anular contratos swap em que foram intervenientes empresas privadas. No que diz respeito às entidades públicas, a Ministra das Finanças, contra um parecer jurídico por si pedido (que defendia a via judicial para obter a anulação dos contratos), optou pela via da negociação com os bancos, obtendo pequenas diminuições nos prejuízos para o Estado. Até à data da apresentação do Orçamento de Estado, as empresas públicas já tinham pago cerca de de 1000 milhões de euros para cancelar contratos swap anteriormente celebrados com diversos bancos.

6 – O BPN foi vendido pelo Estado por 40 milhões de euros, mas o respetivo contrato, que do lado do Estado teve como responsável Maria Luís Albuquerque, acarretou para o Estado a assunção da obrigação de pagamento das “contingências judiciais pendentes”, que, de acordo com um relatório pedido pela própria Maria Luís Albuquerque, podem ascender a 816 milhões de euros, dos quais cerca de 100 milhões já foram reclamados pelo novo dono do BPN (o banco BIC, presidido por Mira Amaral, o ex-ministro de Cavaco Silva). Esta obrigação assumida pelo Estado levou, aliás, à demissão de Lourenço Soares, na altura administrador do BPN indicado pela CGD, por considerar o contrato «ruinoso para os interesses do Estado». Maria Luís Albuquerque foi entretanto promovida a ministra.
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Haveria muito mais a dizer em torno do abjeto Orçamento de Estado que hoje é aprovado. Mas isto não chega já?...
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