18.9.13

Mitos III: O mito de que o automóvel dá lucro ao Estado

_
Uma das coisas mais fantásticas que o lóbi do automóvel e o lóbi das petrolíferas periodicamente propagandeiam é a de que o automóvel dá lucro ao Estado, por via dos impostos e taxas relacionados com o setor. O nervosismo dos senhores (perante o inevitável declínio do automóvel, que na Europa já teve o seu pico, como já se demonstrou) costuma crescer um pouco pela altura da Semana Europeia da Mobilidade, que visa apelar à utilização de modos mais sustentáveis de deslocação nos meios urbanos, em vez do automóvel particular.

Hoje, em plena Semana Europeia da Mobilidade (16 a 22 de Setembro), coube ao Correio da Manhã divulgar a notícia (depois reproduzida noutros órgãos de comunicação social) de que, contabilizados os vários impostos diretos e indiretos sobre o automóvel (Imposto Único de Circulação, IVA, Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos, etc.), o automóvel é contribuinte líquido do Estado em cerca de 7 milhões de euros por dia. A notícia – intitulada “Automóveis engordam o Fisco” – sugere, pela enésima vez, que o Estado lucra com o automóvel.

A verdade é, no entanto, bem diferente, como já demonstraram inúmeros estudos feitos noutros países: o automóvel custa muito ao Estado, e todos os impostos e taxas juntos não cobrem senão uma pequena parte da totalidade dos custos e perdas, diretos e indiretos, relacionados com a sua utilização.

Relativamente aos custos diretos (os únicos de que muitas pessoas se lembram), é infindável a lista:
- A construção de autoestradas, estradas, avenidas, ruas e afins.
- Rotundas.
- Pontes, viadutos, túneis, passagens inferiores, passagens superiores.
- Sinais de trânsito.
- Sinalização horizontal.
- Semáforos e respetivos custos de funcionamento.
- Dispositivos e sistemas de limitação de velocidade e de acalmia de tráfego.
- Os rios de dinheiro que se gastam na limpeza e manutenção (e renovação ou substituição periódica) de todas essas infraestruturas.
- Os rios de dinheiro que se gastam em infraestruturas de estacionamento automóvel (por exemplo, parques de estacionamento subterrâneos).
- Etc. etc., etc.   

Depois, vêm as chamadas externalidades, que geralmente são ignoradas. A lista é também grande, e os custos, ainda maiores:
- Os congestionamentos têm um elevadíssimo custo económico.
- Os custos relacionados com a sinistralidade rodoviária são enormes (já se calculou que em Portugal serão de um milhão de euros por dia).
- Acrescem os custos relacionados com a prevenção da sinistralidade (ex. policiamento, fiscalizações, equipamento, campanhas, etc.).
- Há ainda os elevados custos de saúde, que não estão apenas relacionados com todas as doenças provocadas pela poluição atmosférica (a lista é grande, ficam aqui apenas dois exemplos: cancro e doenças respiratórias), mas também aquelas relacionadas com o ruído (as consequências estão estudadas e são muito mais nocivas do que muita gente pensará), com a própria condução (por exemplo, decorrentes do desgaste nervoso sofrido em engarrafamentos diários e na condução agressiva em meio urbano) e até com a sedentariedade (obesidade, doenças cardiovasculares, etc.).
- O setor automóvel é o principal responsável pelo nosso défice externo e pelo endividamento externo do país (por exemplo, os veículos são importados e o país não tem petróleo: todo o petróleo é importado).
- Acrescem os enormes custos ambientais do automóvel.
- Os prejuízos causados às empresas de transporte público (não apenas os decorrentes dos engarrafamentos: a própria utilização em massa do automóvel particular em meio urbano contribui para a ruína financeira de algumas empresas de metro, de autocarros e de comboios, cujos prejuízos acabam por ser suportados pelo Estado).
- O gigantesco espaço público que nos meios urbanos é dedicado ao automóvel acarreta custos verdadeiramente astronómicos de que muita gente nem se dará conta: é fundamentalmente esse espaço que faz crescer artificialmente as cidades e as metrópoles (que de outra forma seriam muito mais compactas), com todos os custos inerentes (mais estradas, mais custos para transportar a eletricidade, o gás, a rede de telefone, a rede de água, a rede de saneamento, a rede de transportes públicos, etc.); e se se pensar, por exemplo, no astronómico custo por m2 de terreno na avenida da Liberdade, em Lisboa, podemos ter uma ideia do custo de se ter 10 faixas de trânsito nessa avenida (em vez de 2, por exemplo, que seria o suficiente se nela só circulassem transportes públicos) ou dos parques de estacionamento e lugares de estacionamento que nela existem. É precisamente nas cidades que o custo do m2 é mais elevado…   

E estes são apenas exemplos. As externalidades positivas do automóvel (que também existem) são muito menores do que aquilo que se poderá pensar à primeira vista, se tivermos em conta que a alternativa não é não haver meios de deslocação, mas sim as deslocações em meio urbano se fazerem fundamentalmente por outros meios mais sustentáveis, muito menos onerosos e… mais eficazes.

O Pombal do Marquês voltará a este tema, com indicação de estudos. Quando se é enganado durante anos a fio, não é fácil meter estas coisas na cabeça…
SPACE 

Sem comentários:

Enviar um comentário