25.4.13

(Mitos II) O «milagre financeiro» de Salazar (3/3)

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É pois a isto que chamaram “milagre financeiro”: um brutal aumento de impostos até ao nível da despesa pública, que não foi diminuída, tendo, pelo contrário, sido aumentada.
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Durante décadas, Salazar exibirá orçamentos equilibrados [por vezes muito duvidosos ou mesmo fictícios (1)], mas o “feito” tem muito pouco de “milagroso”. Num cenário de ditadura, com a proteção tutelar das Forças Armadas, sem eleições livres, sem orçamentos aprovados pelo parlamento, sem pluralismo partidário, sem imprensa livre, sem livre associativismo, com proibição de qualquer reunião pública ou simples palestra sem autorização prévia, sem sindicatos livres, com proibição de greves, com direitos e liberdades usurpados, coartado o poder reivindicativo dos portugueses, violentamente reprimidas as manifestações e todo o tipo de protestos, criada uma polícia política e uma extensa rede de vigilantes informadores e instalado um clima de medo, chega mesmo a ser caricato que se olhe para um equilíbrio orçamental obtido à custa da imposição de um enorme sacrifício fiscal aos portugueses como um feito de Salazar, pretensamente só ao alcance de um «mago das finanças».
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Bem conhecido é o enorme custo para o país desse “feito”.
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Desde logo, na economia: nas décadas posteriores à chegada de Salazar ao poder, a economia não voltará a crescer ao ritmo verificado na década de 20, e só após o processo de industrialização a que Salazar, contrariado, finalmente terá de aceder nos anos 60 (com a inevitável aproximação à Europa e em consequência da adesão à EFTA), é que o país crescerá economicamente a um ritmo aceitável - mas com um gigantesco atraso em relação à Europa. Em 1957, o PIB per capita português era o mais baixo de toda a OCDE e o Governo Português era «repetidamente criticado» por ter uma política orçamental restritiva (2).
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Com a sua brutal política de austeridade, Salazar conteve, naturalmente, a inflação, equilibrou as contas externas e obteve a esperada estabilização do escudo, mas falhou no objetivo do retorno dos capitais expatriados. Só uma pequena parte destes retornou ao país, a partir de 1930 (mais por efeito da crise económica mundial, que afetou muito os países da Europa onde os capitais estavam aplicados, do que em resultado da política financeira de Salazar), não tendo, no entanto, sido investidos no sistema produtivo nacional, pelo que o retorno (parcial) serviu basicamente para aumentar a liquidez do sistema financeiro (mediante um crescimento dos depósitos bancários) e as reservas de ouro do Banco de Portugal (3).
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O Portugal que chegou a 1974, depois de quase meio século de orçamentos equilibrados, foi um país atrasado a todos os níveis: económico, social e cultural. Um em cada três portugueses era analfabeto, uma estatística absolutamente vergonhosa no contexto europeu (e só não era pior porque uma percentagem significativa de analfabetos tinha entretanto emigrado). Enquanto nos cofres do Banco de Portugal se acumulavam divisas e ouro, para orgulho patético da elite no poder, o enorme atraso do país levou mais de dois milhões de portugueses (a maior parte só entre 1950 e 1969) a desistir do país e a emigrar, com grande sofrimento, naquele que constituiu, até hoje, o maior êxodo da história de Portugal (4).
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Salazar teve, desde o início, consciência do rumo que imprimia ao país. Logo no relatório da Conta do Estado de 1928/29, escreve: «ninguém poderia pensar que este duro trabalho da nossa reconstituição financeira se faria sem repercussões mais ou menos extensas e graves na economia nacional. Tudo o que o estado gasta de menos, e tudo o que aos indivíduos exige a mais, deixa de ativar o comércio, de alimentar o trabalho, de irrigar as economias individuais, por consequência de fomentar a produção. Mas, sendo isto incontestável, o que haveria a discutir-se era apenas se outro caminho nos ficava aberto para nos salvarmos com segurança e com honra» (o discurso da "falta de alternativa"). Na apresentação do orçamento de 1932/33, Salazar escreverá que «há uma diminuição constante da atividade económica e dos rendimentos privados de toda a espécie» e que «o povo vive uma vida sóbria e sem conforto, tocando aqui e além a miséria».
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A “modéstia” em que viviam os portugueses nunca constituiu, no entanto, uma verdadeira preocupação para Salazar. Como refere o historiador Fernando Rosas, um dos grandes especialistas neste período histórico, «a política orçamental não se limitava a ser uma mera técnica financeira, mas o instrumento de um projeto de Estado mais vasto» (5). O equilíbrio orçamental não era um objetivo em si mesmo: fazia parte de uma nova solução política para o país, que se traduziu na ditadura do Estado Novo.
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(Os vitoriosos saídos da revolução de Maio de 1926 representavam uma amálgama de tendências, fações e interesses, por vezes inconciliáveis. Havia fundamentalmente duas perspetivas em torno da solução financeira para o país: a via do crescimento económico; e a via da austeridade. Entre os vitoriosos da revolução, duas eram também as soluções políticas em cima da mesa: de um lado, os que defendiam o carácter transitório da ditadura e o regresso do regime parlamentar, após a introdução de mecanismos que evitassem o regresso da instabilidade política e social vivida na I República; de outro lado, os que defendiam a perpetuação da ditadura. A solução defendida por Salazar foi aquela que acabou por se impor entre os militares que sustentavam o regime (não sem dificuldade e com muita habilidade política por parte do ditador).
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Como explica o mesmo historiador (6), esse novo Estado assentava em alguns mitos fundadores, entre os quais do mito da ruralidade e o mito da pobreza honrada. Um país rural e essencialmente pobre, de cidadãos com baixos rendimentos, sem «ambições doentias», mas honrados. «Aqueles que não se deixam obcecar pela miragem do enriquecimento indefinido, mas aspiram, acima de tudo, a uma vida que embora modesta seja suficiente, sã, presa à terra, não poderiam nunca seguir por caminhos em que a agricultura cedesse à indústria», escrevia Salazar.
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A obsessão última do novo regime constituirá a estabilidade. O défice, a inflação, o aumento de rendimentos, a industrialização, a terciarização, o êxodo rural para as cidades, com tudo o que implicavam, são, por isso, inimigos da solução que Salazar quer impor ao país. Em contrapartida, o Estado Novo controlará fortemente toda a economia, regulará tudo, até ao pormenor, e arbitrará autoritariamente os interesses conflituantes.
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O mito do «mago» das finanças foi cultivado pelo próprio salazarismo (e propagandeado às criancinhas em cartazes colocados nas salas de aula das escolas primárias).
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Um dos cartazes de propaganda colocados nas salas de aula das escolas. A máquina que imprime notas descontroladamente (I República), contrastando com as reservas de ouro e divisas acumuladas no Banco de Portugal «graças à restauração financeira iniciada em 1928». 
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É impressionante como esse mito ainda se mantém vivo na cabeça de algumas pessoas, como se constituísse uma verdade histórica indesmentível…
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Jorge F.
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Fotografias: © Gerald Bloncourt
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(1) As contas de Salazar foram, em 1935, postas em causa pelos peritos da Sociedade das Nações (antecessora das Nações Unidas). Certo é que, para disfarçar défices orçamentais, Salazar inscreveu em vários orçamentos de Estado receitas provenientes de empréstimos, classificadas de extraordinárias. Legalmente, a receita extraordinária só era legítima para fazer face a despesas extraordinárias, mas no preâmbulo de um dos seus primeiros orçamentos Salazar deixa escapar a confissão da aplicação do produto dos empréstimos também a despesas ordinárias. A Constituição aprovada em 1933 resolverá este “obstáculo” legal, ao prever, no artigo 67.º, a possibilidade de os empréstimos poderem destinar-se a «aplicações extraordinárias em fomento económico, aos aumentos do património nacional e às necessidades da defesa e salvação pública». Uma fórmula vaga na qual tudo podia caber…
(2) Rui Ramos, História de Portugal, p. 685.  
(3) António José Telo, «A obra financeira de Salazar: a «ditadura financeira» como caminho para a unidade política, 1928-1932», pp. 797-798.
(4) A emigração cresceu fortemente nos anos seguintes à chegada de Salazar ao poder (1928), o que contribuiu para o aumento das remessas e, consequentemente, para o equilíbrio das contas externas e para a estabilização da moeda portuguesa.
(5) «Salazar e o poder – A arte de saber durar», p. 51.
(6) Idem, pp. 324 e ss.
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Nota: todos os orçamentos de Salazar estão publicados na internet, na página do Ministério das Finanças.
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A ler:Salazar e o poder: A arte de saber durar” (2012), publicado há poucos meses pelo historiador Fernando Rosas, um dos maiores especialistas do período do Estado Novo. Uma obra de síntese que, além de desfazer alguns outros mitos associados a Salazar (não diretamente o mito abordado neste artigo), explica como Salazar conquistou o poder e como nele se conseguiu manter tantos e tantos anos, até ao AVC que o “derrubou” do Governo em 1968. Por vezes não é de leitura fácil, mas recomenda-se.

1 comentário:

  1. eu ate escreveria uma comentario longo a criticar mais uma enxurrada de asneiras de gentes que vivem coladas ao actual regime, de socialism populismo barato, para puxarem pela consciencia e comparerem 40 anos antes e apos 1974, nas materias de crescimento real, salarios, divida externa, e riueza real do estado, ou seja ouro e posses do estado, dado mesmo que Salazar começou com um pais falido, com uma divida enorme, o que ele fez nao conheço nenhum pais que o tenha feito, que foi aliar crescimento a pagar a divida nacional, fortelacimento o escudo, etc mas n vale pena escrever mais, Portugal hoje e um pais de analfabetos reais, fotos de bairros de lata te africanos, 2 milhoes em Portugal visto que os portugueses brancos ja foram, o pais esta faido com 350% divida pib, maneira que este pais esta acabado, eu tb n me vejo a ficar aqui e ver isto desabar, de maneira que voces podem continuar a bater no Salazar, facto e que todas as grandes empresas no psi 20 foram criadas no seu tempo, e todas as empresas destruidas por este regime tb, desde 74 que Portugal e uma nao entidade, uma especie de Africa na Europa, republica das bananas que se usa como se usam outros paises do 3 mundo, socialismo acaba quando dinheiro dos outros acaba.

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