3.4.12

Mais uma miragem?

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Desde que, no tempo dos governos de Cavaco Silva, se optou por fechar centenas e centenas de quilómetros de linhas ferroviárias para se apostar quase tudo no transporte rodoviário (e isto a seguir ao segundo grande choque petrolífero), a estratégia de transporte ferroviário em Portugal tem sido um desastre (contrastando com a aposta no setor que tem ocorrido por toda a Europa, Grécia excluída). O modo como o assunto da alta velocidade foi gerido na última década é apenas mais um triste capítulo destas duas décadas negras da história da ferrovia em Portugal.
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O Estado português desistiu da ligação ferroviária de alta velocidade Lisboa-Badajoz, para anunciar, de seguida, uma linha de mercadorias entre Sines e Badajoz. O projeto do “TGV” (o nome correto é CAV – Comboio de Alta Velocidade) incluía uma linha de mercadorias paralela à linha de alta velocidade. Desde sempre se soube que abandonar a linha de alta velocidade e construir apenas uma linha de mercadorias tornaria este último investimento muito mais dispendioso para o erário público, mas, mesmo assim, foi essa a via escolhida.
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O disparate mais recente foi o anúncio, por parte do Governo, de que esta linha de mercadorias será construída em bitola europeia. Para quem não sabe: os espanhóis decidiram, no século XIX, construir a sua rede ferroviária com linhas cuja distância entre carris era diferente da da restante rede europeia. Portugal, no cantinho da Europa e tendo Espanha como única fronteira terrestre, não teve outro remédio senão construir a sua rede na mesma bitola – que, por isso, se designa «bitola ibérica», por contraposição à «bitola europeia».
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Para ligar Sines a Badajoz, falta construir aproximadamente 90 quilómetros de linha, entre Évora e Badajoz. Até Évora, a linha que já existe acabou de ser inteiramente modernizada – em bitola ibérica! Mudar o que já está construído para a bitola europeia, além de parecer não ser possível (a menos que se desligasse essa linha, que também transporta passageiros, da restante rede portuguesa, o que seria ridículo, porque obrigaria a mudanças demoradas nos comboios de passageiros!), constituiria um investimento muito elevado, sem que exista qualquer estudo que demonstre o benefício dessa solução. Pelo contrário, segundo os especialistas, a adoção da bitola europeia a pensar exclusivamente nas mercadorias não faz sentido, porque, no transporte de mercadorias, os 60 minutos perdidos na fronteira franco-espanhola para a mudança de carris não justificam o investimento (por exemplo, um comboio de mercadorias demora três ou quatro dias a chegar à Alemanha; retirar uma hora ao tempo de viagem não tem qualquer relevância).
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O disparate não termina aqui: é que de nada vale construir uma linha em bitola europeia até Badajoz, porque em Badajoz não há – nem vai haver – nenhuma ligação ferroviária nessa bitola até à fronteira francesa, a não ser linhas de alta velocidade nas quais não circulam mercadorias "pesadas" (contentores e granéis). As linhas em bitola europeia que ficam mais perto situam-se a 1135 km e 1219 km de distância de Badajoz!
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É sobre este assunto o artigo de opinião ontem publicado no Público por Manuel Margarido Tão e intitulado “Mais uma miragem?”, que a seguir se transcreve. Manuel Margarido Tão é um dos maiores especialistas portugueses em questões ferroviárias. Defensor da construção da linha de alta velocidade Lisboa–Badajoz, Manuel Margarido Tão tem defendido também que essa linha (que previa uma paragem em Évora) constituía uma oportunidade para reativar, requalificar e relançar algumas linhas alentejanas que Cavaco Silva, sem visão de futuro, fechou há 22 anos (na Europa, o comboio de alta velocidade tem sido, precisamente, um motor do crescimento da ferrovia convencional e uma "muleta" do transporte ferroviário regional).
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"Mais uma miragem?", por Manuel Margarido Tão:
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Com o abandono da ligação de Portugal à Rede Transeuropeia  de Alta Velocidade, foi anunciado pelo Governo um projecto alternativo, consistindo na construção de uma linha férrea dedicada a mercadorias em bitola Europeia (1435mm), ligando o porto de Sines à fronteira de Badajoz. Considerado como prioridade, este caminho-de-ferro pretende, segundo o Governo, constituir-se num factor de apoio às exportações, projectando simultaneamente, além-Pirenéus, a área de influência do Terminal XXI. A apresentação de semelhante projecto, sem qualquer estudo prévio tornado público, suscita, à partida, um conjunto de interrogações.
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Em virtude dos custos associados ao desgaste de infra-estrutura, e à disparidade de marchas de passageiros a 300 km/h relativamente a outras de carga, substancialmente mais lentas, Espanha interdita o trânsito de composições de mercadorias nas suas linhas de “alta velocidade”, não restando à logística outra alternativa senão utilizar a rede convencional ibérica. Observando-se o mapa ferroviário de Espanha, verifica-se que o ponto mais próximo de Badajoz onde existem linhas de bitola europeia aptas ao tráfego de mercadorias localiza-se em Barcelona-Morrot ou Irún, respectivamente a 1135 e 1219 km, através da rede ferroviária convencional de bitola ibérica (1668mm), gerida pelo Administrador de Infraestructuras Ferroviárias (ADIF). Como se pretende então que haja continuidade, em território espanhol, do projecto preconizado pelo Governo português?
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Mas dê-se de barato a aceitação por parte de Espanha das pretensões do Governo de Portugal, com o país vizinho comportando os custos de colocação de um terceiro carril ao longo de mais de 1100 km de linhas convencionais, entre Badajoz e a Catalunha, ou o País Basco. Qual seria o retorno de semelhante investimento? Para um Governo português que sempre antagonizou a Alta Velocidade Ferroviária, duvidando da respectiva relação custo-benefício favorável, evidenciada por estudos realizados ao longo de quase duas décadas, afigura-se estranha a defesa de um investimento desprovido de qualquer tipo de suporte técnico e/ou económico conhecido. De igual modo, nada se refere quanto ao destino a dar ao conjunto de obras realizadas, na expectativa da nova linha convencional de 92 km entre Évora e Caia, as quais incluíram a reabilitação integral e electrificação, entre Bombel/Vendas Novas e Évora, há menos de um ano, e ainda a ampliação dos feixes de linhas em Sines — tudo em bitola ibérica. Como se enquadra este investimento nas intenções do Governo?
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Assume-se que a “bitola europeia” é o “catalisador mágico”, por via do qual o tráfego ferroviário internacional de mercadorias experimentaria uma importância até hoje inexistente em Portugal. Mas não se procura uma explicação para o facto de, correspondendo o movimento de cargas terrestres entre Portugal e Espanha a 70% do total internacional, o modo ferroviário abarcar apenas 5% desse quantitativo, apesar da bitola da rede convencional em ambos os Estados ibéricos ser a mesma.
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Assume-se que a eliminação da operação de mudança de eixos, com a duração de uma hora, a que se submetem as composições de mercadorias nas fronteiras pirenaicas, constituiria factor de crescimento de tráfego. Mas não se demonstra qual o Valor do Tempo das mercadorias transportadas. Nem, tão-pouco, se uma redução temporal de uma hora (2,5% do total) em cerca de 40 horas de viagem entre Lisboa ou Sines e Paris, se traduziria em benefício efectivo, justificando o respectivo custo de investimento. Não estaremos assim perante mais uma miragem, a juntar a tantas outras passadas, em duas décadas perdidas para o investimento ferroviário em Portugal”?
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1 comentário:

  1. http://www.adfersit.pt/ComunicadosDireccao/20120406_Comunicado_Campanha_de_desinforma%C3%A7%C3%A3o.pdf

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