29.2.12

Baguinho de arroz

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Extinção dos governos civis, extinção de freguesias, extinção e fusão de municípios e redução do número de deputados são exemplos de medidas que têm como efeito afastar ainda mais os cidadãos dos centros de decisão e a centralização do poder.
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Quando a isso se junta um punhado de governantes que parecem só ver números à frente, não se podem esperar resultados brilhantes.
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A apresentação de uma proposta de reforma do mapa judiciário com base em tempos de deslocação calculados com recurso ao sítio ViaMichelin
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(é impressionante, estes nossos governantes pressupõem sempre que toda a gente neste país tem carro, quando uma grande fatia da população não o tem e as “redes” de transportes públicos fora dos grandes centros populacionais são uma anedota)
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é um exemplo do que pode acontecer quando se tomam decisões nos gabinetes de Lisboa sem se conhecer a realidade local.
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O Estado pretende agora encerrar mais de cem serviços de finanças. Desconhece-se se o instrumento principal da reforma foi o ViaMichelin, mas quando entre os serviços de finanças a encerrar está o da ilha do Corvo - com fundamento em que há um serviço de finanças na ilha das Flores e na proximidade geográfica entre as duas ilhas - percebemos que se trata de mais uma reforma cozinhada por quem não sabe o que está a fazer.
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Provavelmente, estes senhores, sentados num gabinete em Lisboa com vista sobre o Tejo, terão pensado que ir do Corvo às Flores é como empreender uma tranquila viagem de cacilheiro entre o Terreiro do Paço e o Barreiro.
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O canal marítimo entre as ilhas do Corvo e das Flores é um “inferno”. Em pleno Verão, chegam a passar-se muitos dias seguidos sem se realizar uma única viagem entre as duas ilhas (que dura uma hora ida e volta e se faz numa pequena lancha). E isto dá para ter uma ideia do que sucede no resto do ano, sobretudo no Inverno.
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Ao estado do mar acrescem as condições atmosféricas extremamente difíceis no Grupo Ocidental dos Açores ao longo de grande parte do ano, com ventos tão intensos que atingem com muita frequência velocidades superiores a 100 km/h (originando, aliás, o cancelamento de muitos vôos).
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A ilha do Corvo fica isolada durante vários períodos do ano e chega a ter problemas de abastecimento de bens essenciais quando o período de isolamento é maior.
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Ainda não se lembraram de fechar a escola do Corvo e de mandar as crianças e adolescentes corvinos todos os dias às escolas das Flores. Mas já estivemos mais longe…
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A parte do testamento de Mouzinho da Silveira em que este pediu para ser sepultado na ilha do Corvo.
Mouzinho da Silveira, bastante impressionado com as condições miseráveis em que se vivia naquela ilha isolada dos Açores, decidiu reduzir para metade o tributo em trigo que os corvinos estavam obrigados a entregar ao donatário da Coroa (por causa desse tributo, os corvinos alimentavam-se de pão de junça) e eliminou o tributo em dinheiro que lhes era imposto. Mouzinho da Silveira era então (1832) Ministro e o Governo estava instalado nos Açores, o que permitiu aos governantes do reino tomar maior contacto com os problemas dos açorianos.
Os corvinos ficaram profundamente agradecidos a Mouzinho da Silveira, e este ficou de tal modo impressionado que expressou, no seu testamento, o desejo de ser sepultado no cemitério do Corvo, não obstante ser alentejano e nunca ter vivido naquela ilha dos Açores.
Ainda hoje, a escola do Corvo chama-se “Mouzinho da Silveira”. Jamais se designaria “Escola Passos Coelho” ou “Escola Vítor Gaspar”…
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Post scriptum: O parlamento açoriano aprovou, por unanimidade dos partidos (PS, PSD, CDS, BE, PCP e PPM), uma recomendação ao Governo de não encerramento do Serviço de Finanças do Corvo, em cujo texto se explica, em termos categóricos e duros, o absurdo de uma tal decisão. Talvez devessem antes ter convidado os governantes nacionais a passar uma temporada de Inverno no Corvo, com deslocações diárias às Flores…

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