5.12.11

Feriados, competitividade, tempo de trabalho e desigualdades sociais

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“Cada feriado custa 37 milhões de euros” ao país. Esta é uma frase que se vai repetindo na comunicação social e que espelha a mentalidade vigente. E quanto custará à economia um sábado? E um domingo? E uma licença de maternidade? E as horas do dia em que não trabalhamos? Quanto custará à economia o nosso período de almoço? E as nossas férias?
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A anunciada supressão de quatro feriados (Corpo de Deus, 15 de Agosto, 5 de Outubro e 1 de Dezembro) tem sido justificada pela necessidade de aumentar a produtividade e a competitividade das empresas, aumento que se traduz nisto: uma empresa poderá produzir mais com os mesmos factores de produção e com menores custos de produção (a produtividade do trabalhador não aumenta e, pelo contrário, poderá mesmo diminuir, mas isso é outra questão).
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Mas o nível desse eventual aumento é de tal modo insignificante que a medida não tem, desse ponto de vista, qualquer significado prático. E o aumento da produtividade e da competitividade é apenas eventual: num cenário futuro de profunda retracção da procura (que ninguém ousa contestar), a maior parte das empresas não estarão minimamente interessadas em aumentar a produção (pois não conseguiriam escoar esse aumento de produção), e, nesse caso, acrescentar quatro dias de laboração é inútil e pode mesmo contribuir para aumentar os custos de produção, na medida em que a empresa estará a funcionar mais tempo para produzir exactamente o mesmo.      
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O argumento de que há feriados que não se celebram e que, por isso, não se justifica que existam, também é pouco sério.
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É um facto que os feriados não têm todos o mesmo significado. Temos o feriado do dia do país (10 de Junho), que faz todo o sentido que exista (e existe em todos os países). Existem depois uma série de feriados que são efectivamente comemorados, em maior ou menor grau (Natal, Sexta-feira Santa, 25 de Abril, Primeiro de Maio, etc.). E há, por fim, alguns feriados que não são celebrados (ou são celebrados por uma quantidade insignificante de pessoas), como é o caso da implantação da República (5 de Outubro) ou da restauração da independência (1 de Dezembro); estes feriados têm, em bom rigor, para a generalidade da população, uma natureza semelhante aos dias de férias (mas são pagos por metade do valor pago nos dias de férias). Mas isso é razão para que sejam eliminados?
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É muito pouco sério discutir se temos feriados a mais e não é honesto comparar o número de feriados em Portugal com o dos outros países da União Europeia sem se ter em conta o total de dias sem trabalho (feriados e férias) existentes ao longo do ano.
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De acordo com um estudo europeu divulgado este ano, Portugal tem um número anual de feriados superior ao da média da União Europeia. Mas, segundo os resultados do mesmo estudo comparativo, se considerarmos globalmente as férias e os feriados, o número de dias de pausa no trabalho em Portugal é inferior ao da média europeia. A Alemanha e a Dinamarca, por exemplo, têm menos dois ou três feriados do que Portugal, mas têm um mínimo de 30 dias úteis de férias por ano, contra o mínimo de 22 dias úteis em Portugal (será a produtividade e a competitividade das empresas menor na Alemanha e na Dinamarca do que em Portugal?...).
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Do referido estudo comparativo não resulta apenas que temos menos férias / feriados do que a média europeia: resulta também que em Portugal o número de horas de trabalho por semana é superior à média europeia (enquanto que em países de “baixa produtividade” e de “baixa competitividade” como a França, a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia, a Holanda, o Reino Unido ou a Bélgica o número de horas semanais de trabalho é inferior à média europeia). Ou seja, não só temos mais dias de trabalho por ano, como trabalhamos mais horas nesses dias.
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Quem nos tenta convencer do contrário está a atirar areia para os nossos olhos.
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O único resultado de verificação certa deste tipo de medidas (eliminar feriados ou aumentar o período semanal de trabalho em duas horas e meia) é o aumento do tempo de trabalho, continuando o funcionário a receber a mesma remuneração nominal. Ou seja, os únicos efeitos certos são a diminuição da qualidade de vida dos portugueses (por terem mais tempo de trabalho e, consequentemente, menos tempo livre) e a diminuição do valor da sua remuneração real (sem que, como se disse, isso implique necessariamente a ocorrência do benefício de uma redução dos custos de produção da empresa).
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Há quatro anos, um ministro da economia do anterior Governo, em visita à China, andou a vender a ideia de que a nossa vantagem competitiva assentava nos baixos salários. Na altura, foi duramente criticado em Portugal, nomeadamente por todos os partidos da oposição, porque, dizia-se, era um erro basear a competitividade da nossa economia no baixo custo da mão-de-obra. O Governo mudou, mas, pelos vistos, a estratégia continua a ser a de assentar a competitividade em salários mais baixos.
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Num país campeão europeu das desigualdades sociais, aqui está uma contribuição para acentuar ainda mais essas desigualdades.
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