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Em 1985, o italiano Pierluigi
Bragaglia, nascido em Medicina
(província de Bologna), escolheu os Açores para passar férias, porque era a
única região da Europa da qual não se conseguia obter informação. Gostou, regressou
para outras férias e decidiu que tinha de divulgar a região em Itália: é dele o
primeiro guia açoriano editado em Itália (guia “Portogallo-Azzorre”, de 1988).
As 150 páginas dedicadas aos Açores contrastavam com os outros guias italianos
de Portugal, que nunca reservavam ao arquipélago mais do que algumas linhas. Em
Itália, foi considerado em alguma imprensa
especializada o melhor guia de Portugal.
No
ano seguinte, editou um guia da vizinha Jugoslávia, país que, contudo, não lhe “cativou
muito”. Os Açores tinham-lhe ficado na cabeça, e regressou uma terceira vez.
Atacado pela “florentinite”, como gosta de dizer, começou a pensar em mudar-se
para a ilha das Flores.
Instalou-se
na ilha em 1990, com uma bolsa de estudo concedida pelo Instituto Luís de Camões,
no âmbito da realização de uma tese (de licenciatura na Universidade de Bolonha) de História Moderna (orientada por Joel
Serrão) sobre a presença italiana nos Açores e na Madeira nos séculos XV e XVI,
que veio a ser publicada em 1992 (obra de 830 páginas, disponível para leitura na
Biblioteca Nacional). Terminada
a bolsa, decidiu que não regressaria a Itália. Licenciou-se em História pela Universidade Nova (tem publicado alguns livros e estudos históricos) e, na ilha
das Flores, tinha, em 1991, aberto, na Fajã Grande, uma casa de turismo rural,
que ainda hoje explora.
Pierluigi Bragaglia cedo percebeu o
verdadeiro tesouro que a ilha escondia em matéria de percursos pedestres e, a
fim de fazer um guia, calcorreou a ilha toda a pé, pelos caminhos seculares
(alguns com 500 anos) por onde, ao longo de séculos, até à chegada do automóvel
(segunda metade do séc. XX), os florentinos se deslocaram. Mediu distâncias, registou
tempos de percurso, anotou cuidadosamente as direções (pois os caminhos não
estavam sinalizados) e recolheu informações históricas sobre os respetivos
locais. Começou pelo concelho das Lajes das Flores, tendo, com o apoio da
respetiva Câmara Municipal, editado, em 1995, o “Roteiro dos Antigos Caminhos
do Concelho”, em quatro línguas (Português, Inglês, Francês e Alemão), naquele
que foi o primeiríssimo guia de percursos pedestres publicado nos Açores (e creio
que o primeiro em Portugal). Quatro anos depois, publicou o guia relativo ao
concelho de Santa Cruz (também com o apoio da respetiva autarquia), este
incluindo uma longa introdução com a história e caracterização da ilha, a
acrescer às referências históricas feitas na descrição de cada percurso.
Publicados os guias, quatro trilhos (entre
várias dezenas) acabaram por ser sinalizados. O guia das Lajes esgotou em poucos
anos, mas, apesar da procura, a autarquia nunca o reeditou. O guia de Santa Cruz
também acabou por esgotar ao fim de alguns anos. Entretanto, enquanto se ia investindo
no betão e na construção de estradas, os caminhos pedestres que constituem o
tesouro turístico da ilha eram frequentemente deixados sem limpeza, alguns
deles impraticáveis após as tempestades de inverno. Outros foram engolidos pela
vegetação e hoje estão pura e simplesmente intransitáveis. Outros ainda foram
“atropelados por estradas novas” (para citar as palavras de Pierluigi
Bragaglia). Chegou-se ao ponto de o Governo Regional ter aprovado a construção
de um aterro sanitário na rota pedestre mais frequentada da ilha! A fatia do
orçamento regional destinada aos percursos pedestres é, ano após ano, irrisória,
contrastando com gastos volumosos no betão.
Pierluigi Bragaglia não desiste, no
entanto, de tentar que os governantes percebam o verdadeiro paraíso que as
Flores - mais do que qualquer outra ilha açoriana - poderiam ser neste tipo de
turismo, cada vez mais procurado a nível internacional, e que, por sinal,
constitui a atividade turística mais praticada nos Açores. Grande parte da
magnífica costa ocidental das Flores, por exemplo, só é percorrível a pé (não há
estrada).
Perante a inércia das autarquias, recentemente
Pierluigi Bragaglia resolveu editar, por sua conta, um novo guia, intitulado
simplesmente “Ilha das Flores”, com quase 400 páginas, reunindo os dois
anteriores, mas em versão revista e atualizada (e sem alguns dos percursos
descritos nos guias originais, por se terem tornado impraticáveis). O único
apoio que recebeu das duas câmaras municipais da ilha consistiu na compra de exemplares do
livro, ajudando por essa forma a custear a respetiva edição. O livro está à
venda (aqui) e é um guia indispensável a qualquer visitante
da ilha.
Pierluigi Bragaglia diz que nas Flores
sempre se sentiu «em casa» e que «nem lhe passa pela
cabeça» voltar para Itália. Açoriano de coração, é uma verdadeira
instituição da ilha das Flores e é (ou devia ser) uma referência em Portugal na
área do pedestrianismo (atividade turística tão desprezada neste país
economicamente dependente do turismo: será tema para um artigo à parte). No dia
do seu 50.º aniversário, aqui fica a homenagem ao italiano graças ao qual posso
dizer que conheço relativamente bem a ilha das Flores – o mais belo
pedaço de território de Portugal –, e que muito contribuiu para a minha
“florentinite”.
Grazie mille, Pierluigi!
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© 2007
Jorge F
Lagoa
das Patas, uma das 8 lagoas das Flores, que nos últimos anos se tornou uma espécie de imagem de marca dos Açores. Um exemplo de um local magnífico revelado pelos guias de Pierluigi Bragaglia: é o fim de um pequeno percurso pedestre (cujo
ponto de partida só passou a estar sinalizado - e mal sinalizado - em meados da
década passada). Até então, “oficialmente” a ilha só tinha 7 lagoas (as que se visitavam de carro) e a esmagadora maioria dos visitantes iam-se embora sem saberem sequer da existência desta maravilha natural.
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Fontes: entrevistas dadas por Pierluigi Bragaglia, vários livros seus e factos do meu conhecimento pessoal.
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