O
Tribunal Constitucional – o tribunal de recurso em matéria eleitoral – decidiu
definitivamente a questão da limitação de mandatos, no sentido de que os
candidatos que tenham cumprido três mandatos sucessivos numa determinada
autarquia se podem candidatar, no quadriénio seguinte, numa outra autarquia
(decisão que beneficia diversos candidatos do PSD, do CDS e da CDU que
pretendem “saltar” de uma autarquia para outra, perpetuando-se no poder).
É pena este desfecho,
porque a melhor solução seria a de que a inelegibilidade abrangesse toda e
qualquer autarquia. O problema está, contudo, na lei
aprovada pelo Parlamento em 2005 e não nesta decisão do Tribunal
Constitucional. Intencionalmente ou por incompetência dos deputados que a
aprovaram, a lei não é inequívoca, nem na letra, nem no seu sentido possível
(como se demonstra no acórdão), e, na dúvida, deve prevalecer o sentido menos
restritivo, como entendeu o TC, num acórdão de que se transcreve abaixo um
excerto da parte decisiva da fundamentação.
Claro que candidatos como Luís
Filipe Menezes ou Fernando Seara, na hora das suas previsíveis derrotas (para
bem de Porto e Lisboa), não deixarão de invocar, como desculpa, a indefinição sobre
a legitimidade das suas candidaturas até três semanas antes do ato eleitoral
(designado para dia 29 deste mês). Mas só se poderão queixar do seu próprio
partido (PSD), que nestes oito anos nunca promoveu, na Assembleia da República, um
processo legislativo com vista à clarificação da lei…
Excerto do acórdão :
«(…) Resulta do confronto entre os
diferentes argumentos formais (decorrentes dos elementos literal e da
localização sistemática do preceito) e materiais (decorrentes da história, da
teleologia e da integração do preceito no sistema jurídico) e da sua apreciação
conjunta que não se pode imputar à Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, com
segurança, um sentido unívoco; o respetivo «pensamento legislativo» não é
claro, uma vez que não pode afirmar-se, sem dúvida, qual é a «vontade da lei»
no tocante à amplitude das inelegibilidades que a mesma consagra. De resto, o
debate doutrinal e político, tanto na comunicação social, como em revistas
jurídicas especializadas, a divisão no seio da Comissão Nacional de Eleições,
nomeadamente refletida na sua Ata n.º 62/XIV, e a existência de múltiplas
decisões judiciais contraditórias entre si – aspetos referidos pelas partes no
presente processo e, outrossim, na decisão recorrida - são espelho disso mesmo.
Na
ausência de uma intervenção clarificadora por parte da Assembleia da República,
terá de ser o Tribunal Constitucional a fixar o sentido interpretativo das
normas da Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto (sobre esta questão e os princípios
a observar na resposta à mesma, cfr. Paulo Otero, Parecer cit., p. 24 e ss., e
“Da limitação à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes de órgãos
executivos autárquicos”, cit., pp. 101 e ss.).
Para o efeito, não poderá o
Tribunal deixar de ter em atenção, em primeiro lugar, que a capacidade eleitoral
passiva dos candidatos a presidentes dos órgãos executivos das autarquias
locais assume a natureza de um direito fundamental, com uma tripla dimensão: é
um direito de acesso a um cargo público eletivo, é expressão de um direito de
participação na vida pública e é também a dimensão passiva do direito ao
sufrágio (cfr. supra o n.º 6). Assim, correspondendo os limites à
renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das
autarquias locais à restrição desse direito fundamental, em caso de dúvida,
entre as várias interpretações possíveis, deve optar-se por aquela que seja
menos restritiva do mesmo direito fundamental: a de que os presidentes de
câmara municipal e os presidentes de junta de freguesia que tenham cumprido
três mandatos sucessivos numa determinada autarquia não se poderão candidatar,
no quadriénio seguinte, para exercerem tais funções nessa mesma autarquia, não
estando, no entanto, impedidos de se candidatar a qualquer outra autarquia. (…)
A mesma solução interpretativa
é alcançada se se fizer aplicação do princípio da máxima efetividade
interpretativa das normas que envolvam direitos fundamentais, segundo o qual,
na hipótese de existir uma dúvida quanto ao exato sentido interpretativo das
normas referentes a direitos fundamentais, o intérprete ou o aplicador da norma
encontra-se vinculado a conferir-lhes a máxima efetividade interpretativa
(cfr., Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
7.ª ed., 2003, Coimbra, Almedina, p. 1224). Assim, perante dois sentidos
possíveis de uma norma restritiva de direitos fundamentais em que se suscitem
dúvidas quanto ao âmbito da restrição em causa, deverá optar-se pela solução
interpretativa que, limitando o âmbito de incidência da restrição, amplie o
direito em causa. No caso concreto, existindo dúvidas sobre a interpretação do
artigo 1.º da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, quanto a saber se a
inelegibilidade aí prevista impede os presidentes de câmara municipal e os
presidentes de junta de freguesia que tenham cumprido três mandatos sucessivos
numa determinada autarquia de se candidatarem,
no quadriénio seguinte, para exercerem tais funções nessa mesma autarquia ou em
toda e qualquer autarquia, deverá optar-se pela solução interpretativa que,
restringindo o alcance ou âmbito da limitação do direito. O que leva a que tal
inelegibilidade abranja apenas a autarquia local em que tenham sido cumpridos
os três mandatos consecutivos.
É também para esta solução
interpretativa que aponta o princípio in dubio pro libertate, por força
do qual os direitos deverão prevalecer sobre as restrições (cfr. Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 5.ª ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2012, p. 421). Assim, entre duas soluções interpretativas possíveis de
um texto legal, deve sempre optar-se pela solução que mais favoreça a
liberdade, que melhor garanta, reforce ou faça prevalecer as posições jurídicas
subjetivas ou os direitos fundamentais. No caso aqui em análise do «direito de
sufrágio passivo» - um direito, liberdade e garantia de participação política
(cfr. supra o n.º 6) -, esta interpretação «amiga da liberdade» é também
uma interpretação que confia na capacidade de escolha dos eleitores sem
excessivas “tutelas” em nome da “correção” das escolhas que estes venham a
realizar (…)».
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