A Ministra da Justiça
destaca-se entre os seus colegas de Governo fundamentalmente pelo especial
afinco com que insiste em querer tomar-nos a todos por parvos, pretendendo
convencer-nos de que anda a fazer “profundas reformas” na área da justiça.
Ontem foi publicado, em vários
jornais, um anúncio de página inteira, pago com o dinheiro de todos nós,
(para certas coisas – leia-se, propaganda
–, o Governo não olha a gastos, para outras – sobretudo aquelas que afetam a
vida dos cidadãos – a hora é de “forte contenção”)
que constitui um notável
chorrilho de aldrabices.
O assunto era o “novo” Código
de Processo Civil, que entrou em vigor anteontem. O diploma é, no anúncio,
apresentado
(é difícil conter o riso quando
se escreve isto)
como «[a] mais profunda reforma
efetuada nas últimas décadas na área da Justiça». A pseudorreforma acabada de
entrar em vigor, sob o pomposo nome de “novo Código de Processo Civil”, não
passa, no entanto, de um mero conjunto de alterações ao Código que estava em
vigor e que não alteraram o paradigma do processo civil. Verdadeira reforma do
Código de Processo Civil foi feita em 1995/96, e nessa altura não se chegou ao
ponto de lhe chamar um novo Código de Processo Civil.
Para se ter uma ideia da
intrujice com que se fala na «mais profunda reforma efetuada nas últimas
décadas na área da justiça», diga-se que cerca de 900 dos 1085 artigos do Código que agora entrou em vigor não
tiveram qualquer alteração e apenas mudaram de número (por exemplo, o artigo
479.º passou a ser o artigo 562.º, sendo o conteúdo exatamente o mesmo) e
muitos outros artigos tiveram apenas alterações pequenas ou inócuas. As alterações com significado (nem sempre
positivas, algumas muito negativas) não constituem a reforma do processo civil que a ministra
apregoou, mas que não teve competência e/ou coragem para fazer.
A mentira descarada está ainda presente
no resto do anúncio, como por exemplo quando se diz que os juízes «passaram a ter
prazos para a prática dos atos (art.º 156), o que nunca sucedeu no passado»,
(os juízes já tinham prazos
para a prática dos seus atos: artigo 160.º do Código revogado)
quando se diz, como se fosse
coisa nova, que «as testemunhas têm direito ao pagamento das despesas pelas suas
deslocações a tribunal (art.º 525.º)»
(as testemunhas já tinham esse
direito: artigo 644.º do anterior Código, exatamente igual ao artigo 525.º do
novo Código)
ou quando se diz, como se
constituísse uma suprema novidade, que «as testemunhas podem ser inquiridas por
videoconferência, sem necessidade de deslocação»
(há muitos anos que as
testemunhas podem ser inquiridas por videoconferência: artigo 623.º do anterior
Código, que agora é o artigo 502.º, rigorosamente igual àquele).
Esta ministra – seguramente o
pior titular da pasta da justiça que este país já teve em democracia – não tem a
mínima dignidade para exercer o cargo que ocupa. Mas por lá continuará, e a
vangloriar-se, com a arrogância titânica que a caracteriza, de que ninguém até hoje fez
mais reformas do que ela. E haverá sempre quem vá na conversa.
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